Religião e Política
(Reflexões de um
agnóstico)
Por:
Marcos Inácio Fernandes.
“A liberdade é sempre, e
exclusivamente, a liberdade daquele que pensa diferente”. Rosa Luxemburgo (1871-1919)
“Os deuses é que crêem –
em Min! (Flávio Chamis – música Deuses do Céu)
“A um príncipe, portanto, não é
essencial possuir todas as qualidades, mas é necessário parecer possuí-las.(...)
Por exemplo: parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, e religioso. (...) e nada
existe mais necessário de ser aparentado do que esta última qualidade”
(Maquiavel – O Príncipe. Cap. XVIII).
Como não tenho pretensões eleitorais e não estou atrás de
votos, não seguirei o conselho de Maquiavel e vou logo confessando: não creio
em Deus, mas, sei que ELE crê em mim, a exemplo do Flávio Chamis. Desconfio
disso pois ao longo dos meus 70 anos tenho recebido muitas bênçãos. A maior
delas foi ter constituído uma família que tem sido meu esteio e tido um casal
de filhos, hoje adultos, que não enveredaram pelo caminho das drogas. São cidadãos
de bem e do bem.
Também não professo nenhuma religião, mas como fui criado na
religião Católica, ainda sei decorado as orações do Pai Nosso, do Credo, do Ato
de Contrição e da Salve Rainha e, sei espalhar na cara, o sinal da cruz, um
instrumento de tortura que é o símbolo do Cristianismo. Ademais, seguindo uma
tradição Católica, minha mãe tomou como minha madrinha Nossa Senhora da
Conceição, que no sincretismo Afro-brasileiro é Iemanjá, orixá dos mares e
oceanos, a grande Mãe, deusa da maternidade. Odoyá!!
Entretanto, a minha opinião pessoal, sobre esse tema tão
delicado é irrelevante. Sei que Deus existe. Existe na fé e na religiosidade do
nosso povo e dos povos das mais diferentes culturas e formações sociais. Isso é
que é importante e deve ser levado em consideração.
Então, vamos direto, (como enterro de crente), aos temas que
intitulam esse artigo.
A RELIGIÃO surge na história da humanidade há,
aproximadamente, 200.000 a.C quando “O homem primitivo começa a enterrar seus
mortos. O fato de enterrarem seus mortos preservando-os dos carniceiros, quando
não da decomposição, demonstra que, de alguma forma, valorizavam a vida, que
sentiam afeto e que se preocupavam com o indivíduo. Frequentemente enterravam
alimentos e flores junto com o cadáver e isso parece indicar sua crença de que
a vida continuava em bases individuais depois da morte. Eram os primeiros
sintomas do que podemos chamar de RELIGIÃO – um sentimento de que há algo a mais
no universo do que é aparentemente para os sentidos”. (ASSIMOV,1993)
Essa passagem gradual de um ateísmo originário ao culto dos
ancestrais e depois ao politeísmo e ao monoteísmo e, por fim, chegar ao
positivismo, foi segundo Domenico De Maisi uma sofisticada construção cultural
do homem. “Não foi Deus que fez o homem e
a Terra à sua imagem e semelhança, mas sim o homem que fez à sua própria semelhança
Deus e o paraíso, o diabo e o inferno”.(DE MAISI, 2003. P.59)
O Homo erectus torna-se o Homo religiosus, “estabelecendo o pacto do ser humano coma
divindade superior e abstrata capaz de lhe assegurar, de diversas formas, o bem
mais supremo, a eternidade da existência. Sob esse aspecto, a divindade é uma
das criações mais ousadas da mente humana” (DE MAISI, 2003. P.60)
A POLÍTICA, surge há cerca de 10.000 a.C. quando também
surgem a Família, a Propriedade Privada e o Estado. Que Friedrich Engels (1820-1895)
descreve na sua obra clássica que leva esse nome. Com a POLÍTICA o homem sai da
Barbárie e entra na civilização. Na pré-história do homem até chegar a
civilização, Engels classificou 3 tipos
de família, a saber: família punualuna (casamento coletivo de grupos de irmãos e irmãs,
carnais e colaterais, no seio de um grupo); família
sindiásmica: As uniões por casal, por um tempo mais ou menos longo,
faziam-se já sob o regime do casamento por grupos, ou mesmo mais cedo; o homem
tinha uma mulher principal (não podemos dizer uma mulher favorita) entre o
número das suas mulheres, e era para ela o esposo principal entre todos os
outros; família
monogâmica: (união de um só casal, com coabitação exclusiva dos
cônjuges).
A partir da família sindiásmica o incesto, que era comum e
tolerável, passou a ser proibido.
Esse preâmbulo é só para dizer que as
coisas mudam e as LEIS são feitas para exprimir e regulamentar essas mudanças,
conforme ensina o Barão no seu Espírito das Leis. “As leis, no sentido mais amplo, são
as relações necessárias que derivam da natureza das coisas.” Para Montesquieu “leis
inúteis enfraquecem as leis necessárias”
É
o caso dessa “lei” aprovada na nossa Câmara de Vereadores a PL 03/2018, que se
intitula Estatuto da Vida e da Família. Tal lei, vetada por vício de
inconstitucionalidade, pela Prefeita Socorro Nery, teve seu veto derrubado na
Câmara, mas ainda há um longo percurso jurídico a ser cumprido tendo em vista as
ADINs do Ministério Público Estadual e da OAB/AC, contra essa lei, além de
forte resistência de segmentos expressivos da nossa sociedade. O certo é que
ela não reflete os novos arranjos de família existentes na contemporaneidade e
que devem ser respeitados e protegidos por lei e não discriminados por ela.
Considero
um equívoco lamentável o encaminhamento dessa Lei pela Associação dos Ministros
Evangélicos do Acre – AMEACRE.
Nunca
é demais relembrar que desde a 2ª Constituição do Brasil e 1ª da República, de
1891, que o ESTADO é LAICO. Ela
definiu no seu Art.72 e parágrafos “a separação entre a Igreja
e o Estado, estabelecendo a plena liberdade de culto, o casamento civil
obrigatório, a secularização dos cemitérios e da educação, sendo a religião
omitida do novo currículo escolar, ficando a Igreja Católica em posição de
igualdade com os demais grupos religiosos e as associações
religiosas passarão a respeitar o direito comum, sendo permitido a estas
adquirir bens, mas não aliená-los”. (BALEEIRO, 2001).
As demais Constituições brasileiras mesmo aquelas impostas nos
regimes ditatoriais, como a Polaca de 1937, no Estado Novo de Vargas, como a de
1967 e a Emenda Constitucional de 1969, em plena vigência do AI -5, do Regime
Militar de 1964, mantiveram o princípio da separação entre Igreja e Estado.*
A Constituição Republicana foi um grande
avanço em relação a nossa 1ª Constituição, que foi Outorgada por Pedro I. Ela
dizia no seu Preâmbulo: “EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE”. Isso deixava
claro que o poder imperial recorria ao poder religioso da Igreja Católica como
forma de legitimação do poder e da coesão social.” (MAFRA, 2001)
Ela institui o catolicismo como a religião
oficial do Império, cujo artigo 5º assim
dispunha: “A Religião Cathólica Apostólica
Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão
permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”. (Art. 5º da CI de 1824).
No período Monárquico “os protestantes enfrentaram dificuldades quanto
a realização do casamento civil, acesso a educação e utilização dos cemitérios,
pois nos cemitérios oficiais só poderiam ser enterrados católicos”. (MANDELI,
2008).
O Estado Monárquico, portanto, era Católico,
Apostólico, Romano e escravagista.
Como tudo na natureza e na sociedade está em
permanente mutação, a escravidão foi abolida, o regime de governo mudou e os
evangélicos, que na Monarquia, nem podiam ser enterrados em cemitérios públicos,
hoje ganham espaço na vida pública e desfrutam de uma expressiva bancada, suprapartidária,
no Congresso Nacional – a bancada da Bíblia.
Essa bancada juntas com a bancada do Boi e da
Bala, formam o tripé “3B” e, como são maioria, impõe ao país uma pauta
regressiva, que penalizam os trabalhadores e outros segmentos sociais.
Deixo a observação do professor Rulian Emmerick aos nossos
gestores, parlamentares e militantes:
“No Brasil, a fronteira entre o político e o religioso
é historicamente indefinida e porosa. Desta forma, as religiões interferem nos
Poderes Públicos, no sentido de fazer prevalecerem as suas verdades reveladas,
absolutas, universais e imutáveis em matéria de sexualidade e reprodução,
enfim, seus princípios morais e religiosos, sobre os princípios democráticos
que deveriam orientar os legisladores e os gestores públicos.” (As relações
Igreja/Estado no Direito Constitucional Brasileiro. Um esboço para pensar o
lugar das religiões no espaço público na contemporaneidade.)
A filosofia popular cria umas analogias brilhantes. Uma delas,
para se referir a coisa frágil diz: “quebra mais do que voto de pastor”.
E um filósofo, cujo nome me escapa a memória, disse: “entre
Cristo e o Cristianismo, não se salva nem a cruz”
Marcos Inácio Fernandes, é Presidente do PT de Rio Branco
Rio Branco (AC)13 de maio de 2018 (130 anos da Abolição da
Escravatura)
*“Todos os indivíduos e
confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto,
associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do
direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes”. (CF-1937.
Art.122 parágrafo 4º)
* “É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos
crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e
os bons costumes”. (CF -1967 e EC -1969, Art.5º)
Referências Bibliográficas:
ASSIMOV, Isaac. Cronologia das
ciências e das descobertas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
BALEEIRO, Aliomar. Constituições
Brasileiras: 1891. – v.2 – Brasília: Ministério da
Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001.
DE MAISI, Domenico, Criatividade e
grupos criativos. Rio de Janeiro: Sextante,2003
ENGELS, F. A origem da família, da
propriedade privada e do Estado. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
MAFRA,
Clara. Os Evangélicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
MANDELI, Maíra de Lima. Liberdade
Religiosa. Intertemas,
São Paulo, vol.16, n. 16, 2008.