quarta-feira, 14 de setembro de 2016

VOTO E ELEIÇÕES NO BRASIL

Aproxima-se as eleições municipais, onde elegeremos os nossos representantes à Câmara de Vereadores e os Prefeitos Municipais. Esse é um momento privilegiado da democracia onde o principal protagonista, não são os candidatos, mas os CIDADÃOS, que vão exercer a sua soberania através do VOTO.
Votar nem sempre foi fácil e, teve épocas, em que não era sequer possível. VOTAR foi um direito arduamente conquistado e se constitui num DEVER CÍVICO,que devemos ter muito carinho em exercê-lo com responsabilidade.
Para reflexão, compartilho um texto que fiz e foi publicado no Página 20 em 26 de setembro de 2002, sobre a trajetória do VOTO no Brasil. Considero que continua atual. Confiram. (MIF)






VOTO E ELEIÇÕES NO BRASIL

Marcos Inácio Fernandes*

“O povo no Brasil sempre serviu aos poderosos. Ou como jagunço, ou como soldado, ou como eleitor”.
Manoel Bonfim (1868-1932)

Partidos, eleições e votos são os elementos sem os quais, não existe democracia. Desde os gregos, que inventaram a política e a democracia, que estas instituições se aperfeiçoam.  Quem era cidadão de uma cidade grega, não podia se omitir nas discussões realizadas na Ágora sobre a vida de sua cidade. O cidadão grego tinha que ser atuante, participativo e ter capacidade de argumentação e convencimento. Segundo Aristóteles, o objetivo da política era “organizar a cidade feliz” e, para aquele filósofo, competia aos magistrados, que seriam os mais capacitados na arte de dialogar e de exercer a justiça, a condução da Pólis grega, na busca da felicidade. Desde então, a democracia, a cidadania e os mecanismos de representação têm passado por constantes evoluções e aprimoramentos.

Também no Brasil, em que pese, os condicionantes históricos, marcados pelo colonialismo patrimonial, autoritário e excludente, a evolução do voto e do sistema eleitoral sofreram grandes e profundas transformações ao longo da nossa história. Senão vejamos: No Império, a nossa 1ª constituição, de 1824, estabeleceu o VOTO CENSITÁRIO. Só votava quem detivesse uma renda líquida anual de 100 mil-réis, por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. Ademais, para ser candidato, as restrições eram ainda maiores: para a Assembléia Legislativa Provincial, exigia-se uma renda superior a 400 mil-réis, para Assembléia Geral, de 800 mil-réis e para Senado, de 1.600 mil-réis. Aquela era a nossa “democracia coroada”, onde o colégio eleitoral era de apenas 1,2% da população, cerca de 150 mil pessoas, estando alijados do direito de voto as mulheres, os jovens menores de 21 anos, os analfabetos, os pobres, os negros escravizados e os religiosos em regime de clausura. Acrescente-se que só podia ser candidato quem professasse a religião oficial do Estado, que era a Católica Apostólica Romana.

Com o advento da República, em 1889, já se registra um pequeno avanço. O voto censitário é extinto e estabelece-se o sufrágio universal, “um homem um voto”, entretanto, as mulheres, os analfabetos, os menores de 21 anos, os mendigos, os praças de pré e os religiosos, em regime de claustro, continuaram sem poder votar. Na 1ª República ou República Velha, o voto era facultativo, tal fato, aliado aos impedimentos legais, restringia, sensivelmente, o percentual de população que participava do processo eleitoral. A média de votantes sobre a população, no período da República Velha, era de 2,6%. O mais grave, porém, do primeiro período republicano era a fraude eleitoral, onde as eleições “a bico de pena” e a “degola” praticamente, anulavam a possibilidade da oposição chegar ao poder pelo voto. Aquele primeiro mecanismo consistia na adulteração dos atas eleitorais, tornando os pleitos, no dizer do Deputado Érico Coelho, citado pelo historiador Edgard Carone, em trabalho sobre a República Velha, “uma briga entre papéis falsos”. Já a “Degola” foi uma expressão, pega por empréstimo, da guerra civil no Rio Grande do Sul, entre Republicanos e Federalistas, onde nas renhidas batalhas, os vencedores não faziam prisioneiros, sendo os inimigos brutalmente degolados.

Na política, o termo indicava a não aprovação e a conseqüente não diplomação de um candidato eleito pelo povo, pelas “Comissões de Reconhecimento do Senado e da Câmara dos Deputados”, ressaltando lembrar que, nessa época, ainda não existia a Justiça Eleitoral. Segundo Walter Costa Porto, no seu dicionário do Voto (Editora Unb, 2000) “a degola no Parlamento, representava a etapa final do processo de aniquilamento das oposições. Começava-se pela fraude na eleição, pelos arranjos do alistamento, pela pressão oficial sobre os votantes; depois, pelos arranjos na apuração, com as atas falsificadas; e afinal, o simulacro da verificação pelo Congresso, mecanismo chamado de” Terceiro Escrutínio “. Eis um exemplo dessa violência:” Em 1915, Ubaldino Amaral havia sido eleito Senador pelo Paraná, com 14.507 votos. Seu competidor, Xavier da Silva, conseguiu apenas 4.559 votos. Ubaldino foi degolado e Xavier reconhecido“. Esse esbulho ocorreu na sessão de 07 de junho daquele ano sob o protesto de Rui Barbosa.

E por falar em Rui Barbosa, deve-se a este eminente brasileiro, a introdução de costumes mais civilizados no processo eleitoral. Na disputa contra Epitácio Pessoa, em 1919, Rui protagonizou a “Campanha Civilista”, introduzindo os comícios, caravanas para percorrer os Estados e Programa de Governo. Na 1ª República, os partidos não detinham o monopólio da representação, podendo os eleitores, lembrar e indicar candidatos. Até a sua morte, em 1923, Rui Barbosa foi votado em todas as eleições, embora tenha concorrido, formalmente, em apenas duas delas, em, 1910, contra Hermes da Fonseca e em 1919, tendo como adversário Epitácio Pessoa. Perdeu em ambas.

Com a Revolução de 30, instalou-se a 2ª República. Getúlio Vargas, que havia perdido a eleição para Júlio Prestes, ascende ao poder naquele processo, que quebrou a hegemonia oligárquica da “República do Café com Leite”, onde os representantes de São Paulo e Minas Gerais se revezavam no poder. Os destaques desse 2° período Republicano foram: A criação da Justiça Eleitoral, em 1932, cujo Código Eleitoral instituía o voto secreto e obrigatório, estendendo esse direito às mulheres; a “Revolução Constitucionalista” de São Paulo; e a Constituição de 1934, que baixa a idade eleitoral para 18 anos e exclui do alistamento eleitoral os analfabetos, soldados e mendigos.

No Acre, o povo vota pela primeira vez, em 1933, elegendo o Dr. Hugo Carneiro pela legião Autonomista, como seu representante na Câmara Federal.

Depois da Constituinte de 34, cuja Assembléia elegeu Vargas, veio a “Intentona Comunista”, de 1935, que foi o grande pretexto para a Ditadura do Estado Novo, em 1937. Daí, até 1945, nem as mulheres e ninguém mais votou no Brasil. Com a redemocratização, em 1945, Vargas é “renunciado” e convoca-se eleições Presidenciais e para a Assembléia Constituinte. Pela primeira vez, o Partido Comunista, que havia sido criado em 1922, participa do processo eleitoral e elege uma bancada expressiva com nomes como o de Luís Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Carlos Marighela, João Amazonas e o escritor Jorge Amado. São os ares da urbanização e da democracia contribuindo para ampliar a participação do povo no processo eleitoral.

 Em  45, Dutra se elege presidente com pouco mais de 3 milhões de votos, num colégio onde votaram mais de 6 milhões de pessoas, cerca de 14% da população, que beirava 50 milhões de habitantes. Esse período de 2 décadas de democracia liberal no país foi interrompida com o golpe político-militar de 1964. A nova ordem ditatorial extinguiu os Partidos Políticos, impondo o bipartidarismo tutelado e institui eleições indiretas para Presidente e Governadores. Em 1968, com o AI-5, o regime se “fascistiza”. O congresso é fechado, parlamentares cassados, a imprensa é censurada e se abate o terror repressivo do Estado contra a oposição que envereda pela luta armada.

A partir de 1974, com o penúltimo general-presidente Ernesto Giesel, inicia-se a “distensão lenta, segura e gradual” do regime militar. Conquista-se a Anistia aos presos políticos, em 1979 e, nesse mesmo ano, é aprovada no Congresso uma nova Lei Orgânica dos Partidos, a qual, objetivava fracionar e enfraquecer o MDB, considerando que desde 1974, as eleições tinham adquirido um caráter plebiscitário de um retundo NÂO a ARENA, partido de sustentação política dos militares. É nos marcos desse novo ordenamento partidário e com uma Legislação Eleitoral casuística – a Lei Falcão, que ocorre a eleição direta pra Governadores, em 1982. Mesmo com uma série de medidas eleitorais que prejudicaram a oposição como o VOTO VINCULADO, proibição das COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS, apresentação de CHAPA COMPLETA e a propaganda na TV, restrita a foto e o número do candidato, a principal força opositora representada na época pelo PMDB, teve mais de  50% dos votos, elegendo governadores nos principais colégios eleitorais (São Paulo, Minas e Paraná). Aqui no Acre, o PMDB também derrotou o PDS e no Rio de Janeiro, Brizola, do PDT, foi eleito governador dos cariocas depois de denunciar a tentativa de fraude na contagem dos votos, episódio que ficou conhecido como “escândalo PROCONSULT”.

Depois, em 1984, veio o maior movimento cívico da história do Brasil – a “CAMPANHA DAS DIRETAS JÁ”, que mobilizou milhões de cidadãos, mas que não conseguiu sensibilizar 2/3 do Congresso para emendar a Constituição (EMENDA DANTE DE OLIVEIRA), possibilitando a eleição direta do Presidente da República. Entretanto, no início de 85, Tancredo derrota Maluf no Colégio Eleitoral, pondo fim ao ciclo autoritário. Um resumo desses acontecimentos podem ser definidos dessa maneira: o povo pediu as DIRETAS  e os seus representantes no Congresso negaram; no Colégio eleitoral, Tancredo foi eleito, mas o destino nos legou Sarney, seu vice. E assim a “transição pelo alto”, como muitos sobressaltos e derrapadas na área econômica e social, chegamos a “Constituição Cidadã” de 1988.

E a Carta Constitucional em vigor, incorporou avanços extraordinários no campo político-institucional. O Art. 14 dispõe que “A Soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos...” e no seu parágrafo 1° torna facultativo o voto para analfabetos, os maiores de 70 anos e os maiores de 16 anos e menores de 18 anos. A obrigatoriedade do voto permanece para os maiores de 18 anos,, dispositivo que enseja muitas críticas, mas que considero uma “imposição” positiva e necessária, mesmo porque, entendo que a presença é que é obrigatória e não o voto, já que o eleitor não é “obrigado” a votar em algum candidato e a urna eletrônica dispõe de mecanismos para se votar em BRANCO ou mesmo de ANULAR o VOTO, registrando o protesto do eleitor, que é soberano. Em relação ao VOTO ELETRÔNICO, essa foi a grande conquista da democracia e, em particular, do Sistema Eleitoral Brasileiro, que está servindo de modelo para países desenvolvidos e de maior tradição democrática. Esse sistema, pelo menos até o momento, está imune às fraudes eleitorais, tão comuns no processo convencional, como o “voto corrente”, “eleitores fósforos” (eleitores que votavam várias vezes, “riscavam em qualquer urna”), o voto dos defuntos (o mais seguro) e as antológicas urnas que “emprenhavam” pelo caminho, além das adulterações dos “mapas eleitorais”. Aqui no Acre, quem não se lembra da eleição de 1978, quando Alberto Zaire foi dormir senador e acordou na balsa? Conta-se também um caso no Ceará, onde um candidato a Deputado, qual faltou poucos votos para conseguir o coeficiente eleitoral para se eleger e foi falar com o Juiz eleitoral estabelecendo o seguinte diálogo: candidato –Seu Juiz é o seguinte: eu gastei muito nessas eleições e não posso ficar sem o mandato e estou aqui para lhe propor que o senhor transfira alguns votos de outro candidato, já eleito com muitos votos, para mim. E, ato contínuo, foi puxando o talão de cheques e falou: e o senhor já viu cheque de 400 mil? E o Juiz – de 400, já. Mas de 800, ainda não.
Com a informatização do processo eleitoral, ficamos livres dessas mazelas. Hoje o eleitor, pode ficar tranqüilo de que a sua vontade e a sua soberania está sendo respeitada. Espero, que no próximo dia 06 de outubro o povo brasileiro, desminta o grande historiador Manoel Bonfim, deixando de servir aos poderosos como eleitor.

*É Mestre em Ciências Política, pela UFRN, professor aposentado da UFAC e militante do PT

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