segunda-feira, 5 de setembro de 2016

CARTA ABERTA À CIDADÃ KATIA ABREU





CARTA ABERTA À CIDADÃ KATIA ABREU

Excelentíssima senhora Katia Regina Abreu
M.D. Senadora do PMDB pelo Estado do Tocantins.
­­Brasília – DF.

Dirijo-me, respeitosamente, a vossa excelência para pedir desculpas e fazer um agradecimento e um reconhecimento público. O faço respeitosamente, (destaco em negrito), porque um certo Senador, que se comportou indevidamente com vossa excelência levou um copo de vinho na cara. Naquele incidente, a senhora como mulher, esposa e mãe, não contemporizou. Não deixou barato a gracinha com a insinuação maldosa a seu respeito. A senhora mostrou que não é de levar desaforo prá casa e confirmou o ditado: “respeito é bom e conserva os dentes” e também mantém a roupa limpa.  A senhora se dá ao respeito. Vibrei com a sua atitude naquela ocasião, mesmo porque, não nutro nenhuma simpatia, como ser humano e político, pelo seu agressor.

Dito isso, quero me apresentar. Sou Marcos Inácio Fernandes, natalense de nascimento e acreano por opção. Sou da geração pós- guerra. Não venho de tão longe, como dizia o Brizola, mas já vivi e vivenciei três golpes. Contra Vargas, em 54, contra Jango em 64, e o atual do ano em curso, consumado agora nesse 31 de agosto de 2016. Sou pai de um casal de filhos e avô. Tenho um neto de 4 anos. Como sou pouco religioso, sempre abençoei meus filhos com um “TENHA DIGNIDADE”. Muita gente da família estranhava essa benção tão pouco usual. Eu o fazia e, faço ainda, porque meu pai dizia que: até prá pedir esmolas você tem que ter dignidade. Hoje acrescento na benção do meu neto, além da dignidade, saúde, felicidade e vergonha. No princípio ele dizia “não quero vergonha não vovô” e eu replicava, mas vergonha é bom, Arthur e tentava convencer uma criança de 4 anos dessa virtude. Agora ele já está repetindo a benção comigo sem questionar.

Sou professor universitário aposentado pela UFAC, com a qualificação de Mestrado do Curso de Ciências Sociais. Meu bacharelado foi em Sociologia, que cursei quando a gente tinha um AI-5 particular, o Decreto-Lei nº 477, baixado em 1969, por Costa e Silva. Em virtude disso levei 6 anos para terminar o meu bacharelado. Fui incurso na Lei de Segurança Nacional e amarguei prisão e apenas 1 sessão de tortura física. As psicológicas e morais foram inúmeras. Por isso entendo todo o sofrimento por que passou e passa Dilma Rousseff. Uma mulher torturada, na pele, pela ditadura e torturada, na alma, pela democracia, que ela ajudou a construir. Quanto infortúnio e ironia.

Sempre militei na esquerda e cultivei o ideário socialista. Na juventude, militei no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR, do patriota Apolônio de Carvalho; na idade madura, no Partido Comunista Brasileiro – PCB (O Partidão), que ajudei a organizar no Acre, nos anos 80, ainda na semi - clandestinidade. E aqui faço um parênteses: o destino poupou Luís Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Giocondo Dias, Salomão Malina, Dr.Vulpiano e outros históricos comunistas, que já partiram, de ver o glorioso Partidão, matriz de todas as agremiações de esquerda, transformado no PPS - Partido Popular Socialista, que nem é popular, muito menos, socialista e agora apoiando um golpe. Pois bem, atingindo a 3ª idade, entrei para o Partido dos Trabalhadores – PT, onde estou desde 1992. Parece que o “declínio” da minha trajetória político/partidária confunde-se e se assemelha com minha trajetória existencial. Uma relativa regressão.

Além do magistério superior também atuei na Extensão Rural. Trabalhei na EMATER-AC por muitos anos onde exerci, além das atividades técnicas, atividades sindicais e de direção. Exerci cargos de confiança no 1º escalão nos governos do seu colega, Senador Jorge Viana, que deu status de secretaria ao serviço e transformou a extensão rural em extensão agroflorestal. Seus dois mandatos de governo, incorporou os segmentos sociais de seringueiros, ribeirinhos e indígenas como beneficiários das políticas públicas para o meio rural/florestal.

Espero que, esse breve relato pessoal, não seja considerado uma forma de jactância. Ele se presta, tão somente, para dizer, que a minha visão de mundo e da política era diametralmente oposta a de vossa excelência. Tanto é verdade, que a vossa nomeação com a do Joaquim Levy para compor o Ministério da Dilma mereceu, de minha parte e de muitos companheiros, muitas críticas e torci o nariz para elas. Entre outras críticas, dizíamos que elas simbolizavam uma concessão indevida ao agronegócio, ao latifúndio e ao mercado. E, em parte, as nossas restrições tinham pertinência. Mesmo porque a POLÍTICA também é feita de símbolos e simbologias.

Agora nessa quadra sombria da vida nacional onde a crise faz aflorar todo tipo de patologias sociais, políticas e econômicas eu ouso dizer que a econômica é a menos danosa. A crise maior é a de VALORES. Valores morais, éticos, de princípios, de compostura, de prudência e parcimônia, entre outras.
E o mau exemplo vem de cima. Das maiores autoridades e das instituições sociais e políticas. Banaliza-se e joga-se no lixo conquistas civilizatórias e humanitárias seculares. Contemporiza-se com o que há de mais torpe na condição humana: CONSPIRAÇÃO, TRAIÇÃO, DELAÇAO (agora alçada a prática investigatória e ainda premiada), TORTURAS, CONDENAÇÃO SEM PROVAS, DESLEALDADE, PRESUNÇÃO DE CULPA (substituindo a presunção de inocência), ASSASSINATO DE REPUTAÇÕES, e INJUSTIÇAS. Muitas injustiças!!

Nesse processo do impeachment, que redundou no GOLPE de 31 de agosto, tive a pachorra de acompanhar pela TV Senado. Estou com tempo, o coração só tem um stent numa artéria, e o meu estômago  é de avestruz. Mesmo assim, tive ânsias de vômito muitas vezes, com tantas extravagâncias que aconteceram. O discurso melífluo e pulsilânime do seu colega Cristovam Buarque, e as histrionices do Magno Malta foram o de menos. Os senhores “juízes/senadores” nem tiveram uma postura de simulação. Insistiram, ad nauseam, na aparência em vez da essência; na forma no lugar do conteúdo; nas versões se sobrepondo aos fatos. Getúlio Vargas já dizia que, na política, as versões são mais importantes que os fatos. Acontece que os Senadores estavam também investidos de JUIZES e, como tal, não se comportaram. Desmoralizaram a Instituição do Tribunal do Jure.

Dessa farsa e desse embuste e, em meio a tantas calhordices, emerge a figura de vossa excelência, que a mim, pelo menos, deu lições de caráter e compostura. Foi leal, teve gratidão, foi solidária, combativa e não tergiversou. Ajudou a construir o único gol dessa goleada de 61x20, uma derrota, superlativamente, maior e mais trágica e mais dolorosa do que os 7x1 para Alemanha na Copa, que diziam que não ia ter. O gol solitário da preservação dos direitos políticos da cidadã Dilma Rousseff, criminalizada perante a Constituição e indultada politicamente numa mesma sessão. Agora são dois fantasmas a assombrarem a elite plutocrática. Lula e Dilma.

Finalizo contando uma história do folclore político acreano. Nas eleições para Prefeitura de Rio Branco de 1985, O PCB lançou candidatura própria encabeçada pelos saudoso professor da UFAC, Pedro Vicente e pelo funcionário estadual Estanislau Siqueira, um homem simples do povo. Na campanha um eleitor chegou para o Siqueira e quis fazer graça e tripudiar com o velho militante comunista, na época, já septuagenário. Deu-se o seguinte diálogo:
- eleitor: Siqueira você não vai ter voto que encha uma cuia de tacacá. Se tiver 20 votos é muito.
- Siqueira: É voto demais companheiro. É muito voto!! Significa que ainda tem 20 homens de vergonha em Rio Branco.

Eu digo o mesmo do companheiro Siqueira. Que bom que ainda tem 20 Senadoras e Senadores de vergonha na Câmara Alta do Congresso. A senhora e mais os seus 19 colegas. Os “20 de Esparta”, que lutaram até o fim. A história há de lhes fazer justiça a exemplo dos outros 300 guerreiros que, também num final de agosto de 480 a.C, nas Termópilas, combateram o império Persa de Xerxes, posteriormente, derrotado.

No diário da judia, Anne Frank, que foi encontrado após seu assassinato, em março de 1945, no campo de concentração de Belsen, na Baixa Saxônia alemã, terminava assim:
“eu sei como é difícil se acreditar em alguma coisa, quando há tanta gente ruim; mas acho que o mundo está passando por uma fase. Passará; daqui há séculos, talvez, mas passará. Apesar de tudo, ainda acredito na bondade humana. “

Gratidão, Senadora Katia Abreu. Suas palavras, gestos e atitudes, renovaram minhas crenças na bondade humana. Quando for a Brasília gostaria de visitar seu gabinete para lhe cumprimentar pessoalmente.

Respeitosamente, receba meu abraço fraterno e minhas saudações democráticas.

Marcos Inácio Fernandes – um cidadão golpeado.

Rio Branco (AC), 6 de setembro de 2016
(Véspera da data pátria no 194º aniversário nossa emancipação política)

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