O Declínio da Estrela (1)
(Quem era o PT em que
está virado)
Por:
Marcos Inácio Fernandes*
“Chorei
/ não procurei esconder / todos viram / fingiram / pena de mim não precisava /
ali onde chorei qualquer um chorava / dar a volta por cima que eu dei / quero
ver quem dava. // um homem de moral / não fica no chão / nem quer que mulher /
lhe venha dar a mão / reconhece a queda / e não desanima /levanta, sacode a
Poeira e dá a volta por cima.”
Paulo
Vanzolini (1924-2013) - Samba de 1962, Volta Por Cima.
Essa
música é um dos nossos, inúmeros, “hinos nacionais” que o povo canta e sabe
decorado. Seu autor, que também era cientista na área de zoologia, numa de suas
últimas entrevistas, falou o seguinte: “as pessoas apreciam e destacam mais
nessa música os versos que falam de “levantar a poeira e dá a volta por cima”.
E Vanzolini arrematava: mais importante que levantar, sacudir a poeira e dar a
volta por cima é primeiramente – RECONHECER A QUEDA.”
Reconhecer
a queda do nosso Partido dos Trabalhadores – PT, que se encontra no fundo do
poço e que se comporta igualmente a pau podre que “tanto cai como derruba os
outros” é o que pretendo fazer nesse artigo.
1º - Sim, nós também fizemos corrupção e
cometemos crimes. Não esse “crime de responsabilidade”, que usaram como pretexto
para destituir a nossa Presidenta, mas inúmeros outros tipificados em lei. Nós
que éramos pregadores da ética na política e apontávamos o dedo para os desvios
dos outros, nos igualamos aos “outros”. E esse comportamento é inaceitável no
“pregador” enquanto que no “pecador” contumaz é tolerável. As pessoas já estão
acostumadas com essas disfunções comportamentais e de caráter.
O
certo foi que perdemos o nosso discurso ÉTICO e ganhamos dois apelidos
pejorativos que já se incorporaram ao vocabulário político: PETRALHAS e
MENSALEIROS.
Desprezamos
uma lição de Sun Tzu (500 a.C) da sua Arte da Guerra no capítulo VIII, que
transcrevo integralmente e negrito o tópico específico sobre o desvio de
conduta. Ensina Sun Tzu:
“Há cinco erros perigosos que podem afetar um
comandante: A negligência, que leva à destruição; A covardia que leva à
captura; A debilidade da honra, que é
sensível à vergonha; E um temperamento impetuoso, que pode ser provocado
com insultos. O último desses erros é excesso de solicitude com seus soldados,
expondo-os a preocupações e perturbações (Cap. VIII).”
O PT, que mereceu um estudo, depois transformado em
livro, da brasilianista americana Margaret Keck: “PT A Lógica da Diferença - O Partido dos Trabalhadores na construção
da democracia brasileira” (São Paulo: Editora Ática, 1991), não manteve
essa “lógica da diferença” que nos distinguia dos demais e nos tornamos a mesma
gelatina, pastosa e sem densidade, que caracterizam a maioria das agremiações
políticas brasileiras. Cedemos as suas velhas práticas e nos demos mal. Muito
mal.
2º - E fizemos isso porque achávamos que estando no
governo estaríamos também no poder. Faltou-nos a leitura do clássico de
Raymundo Faoro – “Os Donos do Poder”
(São Paulo: Globo, 1991), onde ele mostra a formação do patronato político brasileiro.
Também faltou algumas leituras básicas para saber que o poder se desloca, que
tem diversas faces, que é constituído pelas relações de forças na sociedade. “A
construção de uma estratégia de poder para as classes subalternas depende,
antes de tudo, da análise de poder das classes dominantes. Porque se trata de
um processo simultâneo de desarticulação desse poder e de construção de um
novo.” (Emir Sader – O Poder, Cadê o poder? Ensaios para uma nova esquerda.
São Paulo: Boitempo Editorial, 1997). Não tivemos forças nem capacidade
para desarticular o poder dominante nem construir um novo. Fico num exemplo
emblemático: não mexemos no poder da mídia capitaneada pelas organizações
globo. O latifúndio midiático, bem mais concentrado que o latifúndio rural. A
mídia familiar dos clãs Marinho, (Rádio e TV Globo, Globo News, G1, revista
Época e jornal O Globo) Civitas, (Veja e demais publicações) Mesquita, (Estado
de São Paulo) Frias, (Folha de São Paulo e Portal UOL), Abravanel, (SBT) Saady,
(BAND), Macêdo (Record), e Syrotski (RBS). Essas famílias que fazem a “cabeça”
do nosso povo, através de seu domínio ideológico, não foram desarticuladas.
Pelo contrário, através das verbas publicitárias do governo, pagamos para apanhar
diuturnamente. Havia um discurso único e uma pauta comum a todos eles: “o
Brasil é uma merda”, vazamentos na imprensa de investigações, ditas sigilosas,
assassinatos de reputações, amplificação distorcidas e tendenciosas dos fatos e
pré-julgamentos e condenações pela imprensa, que se arvorou em se transformar
em partido político, sem registros no TSE e sem votos.
Ademais, os donos do poder, que sempre foram tão
condescendentes com os esquemas de corrupção e outros desvios de comportamento,
foram implacáveis com o PT. Os nossos corruptos foram pré-julgados, processados,
julgados, condenados (alguns sem provas) e presos.
Os demais corruptos das outras agremiações
continuam soltos. E vejam quanta ironia: enquanto Dilma perde o mandato por ter
assinado 3 decretos e ter pago os bancos públicos na operação do Plano Safra,
apelidado de “pedaladas fiscais”, o xerife plenipotenciário, “o juiz” Moro, não
consegue achar nem o endereço da esposa do Eduardo Cunha para chamá-la á depor,
em que pese, as provas robustas dos crimes praticados pela família Cunha.
Uma coisa que me espanta e me chama atenção nesse
problema é que os “nossos corruptos” não ostentam riquezas, não possuem contas
secretas em paraísos fiscais, imóveis suntuosos no Brasil e no exterior,
aviões, iates, etc. Se tivessem já teriam descoberto. Onde é que os
companheiros estão guardando tanto dinheiro?
3º - A política de alianças do nosso partido foi um
desastre. Nesse aspecto o PT do Acre, dos tempos heroicos, foi profético. Diz
um militante em entrevista ao jornal Gazeta do Acre em 24/11/1981, a respeito
do PT se coligar para as primeiras eleições diretas para governador em 1982. Perguntado
se o partido podia se coligar com o PMDB e se este partido era diferente do
PDS, a resposta foi a seguinte: “tanto faz o cão como a mãe dele e
completou: a coligação com o PMDB seria alimentar a cobra que vai nos morder.”
(Tese de Mestrado do autor – O PT No
Acre: a construção de uma terceira via. Pág.82). Todos que tem alguma
leitura política sabem que o PMDB só prestava e tinha alguma densidade, quando
abrigava, no seu generoso guarda-chuva, os comunistas, socialistas e outros
democratas, que faziam a dupla militância na legenda. Quando os partidos foram
todos regularizados, o PMDB virou esse partido “ônibus” onde cabe todo mundo,
de políticos sérios como Requião a bandidos como o Cunha. E passados 35 anos, não
é que a profecia do militante do PT se concretizou! A cobra, que alimentamos
por tanto tempo, finalmente deu o seu bote peçonhento e nos mordeu de forma letal.
Quando o PT afirma a sua institucionalidade, o seu
5º Encontro Nacional, em dezembro de 1987, define a sua política sobre o
“acúmulo de forças” e a sua “política de alianças”. Dizia o documento: “O PT não se funde, nem se confunde (...)
Aliança não é uma questão de princípios para o PT, mas o PT só faz alianças com
princípios” (Tese de Mestrado do autor – O PT No Acre: a construção de uma
terceira via. Pág.121). Foi assim na formação da Frente Brasil Popular –
FBP, composta pelas forças de esquerda: PT, PC do B, PSB, que levou Lula ao 2º
turno contra Collor em 1989, e nesse 2º turno recebeu o reforço do PCB, PDT e
PV. Aqui no Acre foi construída uma frente nos mesmos moldes em 1990, que levou
Jorge Viana ao 2º turno contra Edmundo Pinto. A Frente Popular do Acre – FPA
era composta pelas agremiações do PT, PC do B, PDT, PSB, PV e PPS. Eram coligações
que aglutinavam apenas 6 partidos do campo da esquerda. Na sequência a coisa
degringolou. Eis a coligação que em 2014, elegeu Dilma com Temer de vice: COLIGAÇÃO COM A FORÇA DO POVO (PT /
PMDB / PSD / PP / PR / PROS / PDT / PC do B /PRB). Aqui no Acre a coligação que
reelegeu Tião Viana a Coligação: Frente Popular do Acre (PDT / PRB / PT /
PSL / PTN / PSDC / PHS / PSB / PRP / PEN / PPL / PC do B / PROS / PTB). São 14
partidos, incluindo, o PT e agora nessas eleições para Prefeitura de Rio
Branco, a Frente Popular de Rio Branco é maior ainda. São 15 partidos a saber:
PT/ PC do B /PSOL / PV/ PDT/ PMB/ PPL/ PRP/ PSB/ PSDC/ PRB /PROS / PTN / PSL / PHS.
O que nos levou a dilatar tanto os nossos
“princípios”? A mim me parece que foram duas coisas: abrimos mão do nosso
programa partidário em detrimento da propaganda e do marketing político e
nossas alianças foram estabelecidas em função do tempo na televisão e no rádio.
Os marqueteiros substituíram, em parte, a militância. E a nossa militância que
era, historicamente, abnegada foi ficando mercenária. Tinha que ter “um
ventinho nas co$ta$” para empunhar as nossas bandeiras e fazer o corpo a corpo
no dia das eleições. Ninguém me contou, eu vi. Por outro a governança tornou-se
complicada. Como acomodar tantos partidos na equipe de governo e na máquina
pública?
Nesse processo de alianças, entre as quais,
aceitamos até o Maluf, que sempre foi um crítico ferrenho do nosso projeto onde
ele dizia: “Se você tiver uma fazenda e, na hora da colheita, tiver que optar
entre um administrador petista e uma nuvem de gafanhotos, fique com os
gafanhotos” (Tese de
Mestrado do autor – O PT No Acre: a construção de uma terceira via. Pág.136). As
administrações do PT, local e nacional, desmentiram Maluf. Mas o certo foi que
o nosso partido desconsiderou a filosofia popular quando diz: “quem se junta
aos porcos farelos come” e também não leu Maquiavel e o seu obrigatório “O
Príncipe”, que no seu capítulo VIII ensina: “As armas de outrem, ou te caem de cima,
ou te pesam ou te constrangem.”
4º - Também nos faltou uma leitura de Maquiavel
para escolher melhor os assessores do 1º escalão do governo. O Príncipe
pontifica: “Não é de pouca importância para um príncipe a escolha dos ministros.
(...) É a primeira conjectura que se faz da inteligência de um senhor, resulta
da observação dos homens que o cercam.” (Cap.XXII)
Aqui eu abro um espaço para relembrar outro fato
histórico. Na crise de 54, Vargas na véspera do suicídio, reuniu seu Ministério
para discutir alternativas para, pelo menos, abrandar a crise. Não teve sucesso
a reunião. Então Getúlio encerrou a reunião dizendo: já que os meus Ministros
não decidem, está encerrada a reunião eu vou dormir. E deu uma ordem final:
mantenham a ordem pública. Quando já se dirigia para os seus aposentos,
comentou com sua filha, Alzira Vargas, “esse meu Ministério, a metade não é capaz de
nada, a outra metade é capaz de tudo.”
Assim foi o Ministério da Dilma nesse 2º mandato.
Seus Ministros mais próximos e do PT, Cardozo (Justiça). Bernardo
(Comunicação), Mercadante (Casa Civil e Educação) não foram capazes de nada. A
outra metade do PMDB, Lobão, Braga, Garibaldi Alves, Henrique Alves, Elizeu Padilha,
Moreira Franco, Gedel Vieira, foram capazes de tudo. Até mesmo de conspirar e
trair. E nem Cristo escapou da traição.
Ademais o nosso “Republicanismo” foi, no mínimo,
ingênuo. Tanto Lula como Dilma fizeram indicações desastrosas para Ministros do
Supremo, para a PGR, para a Polícia Federal e outros órgãos estratégicos.
Muitas dessas autoridades não se comportaram republicanamente, pelo contrário,
bombearam água para o moinho do golpe.
5º - Eu não tenho dúvidas, que perdemos o governo
pelo “conjunto da obra”. Nesses 13 anos de governos do PT, o pobre entrou no
orçamento pela 1ª vez. Uma pequena nesga é bem verdade, mas, que possibilitou
tirarmos mais de 30 milhões de pessoas da miséria absoluta e incorporarmos mais
40 milhões ao mercado de consumo. Saímos do mapa da fome da ONU, aumentamos
nossas reservas cambiais e cometemos as extravagâncias de levar luz para todos,
médicos aos grotões do Brasil, criamos novas Universidades e Escolas Técnicas e
levamos pessoas humildes a frequentá-las. O povo gostou e começou a esnobar
querendo até viajar de avião. Foi demais para a nossa elite plutocrática
compartilhar aeroportos e ver o pessoal da senzala começar a usufruir das
benesses do capitalismo.
A nossa
grande falha foi não ter transformado consumidores em cidadãos. O Frei Beto faz
uma análise precisa dessa questão. Muitos tijolos na cidade “Brasil” e poucos
na cidadania. E quando acontece um novo golpe, a exemplo do 1º golpe de 1889,
que cria a República, que foi também marcado pela traição, “O povo assistiu
àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos
acreditavam sinceramente estar vendo uma parada.” (Aristides Lobo em carta a um amigo). Nesse agora, da mesma forma.
O povo, tampouco, conhece o significado das tais “pedaladas fiscais” e dos
“decretos de suplementação” que serviram de pretextos para se incriminar e
cassar uma presidenta eleita com 54,5 milhões de votos.
Esses golpe de 31 de agosto de 2016, nos remete para a necessidade de investirmos
na capacitação política da militância, que foi tão negligenciada pelo PT. De
construirmos CIDADANIA, fazer “o povo pensar” como disse o poeta Castro Alves
no seu poema “O Livro e a América.” Temos que refutar, com veemência, o
conselho da classe dominante, que diz: “Não pense. Se pensar não fale. Se
falar não escreva. Se escrever não publique. Se publicar esconda.” Temos
que pensar o Brasil e repensar o nosso partido. E só com estudos, informações,
debates e compartilhamentos de idéias, se faz isso. É isso que leva a formação
de uma nova HEGEMONIA, como ensina Gramsci.
Nessa hora difícil é que o partido precisa de seus
quadros e de sua militância. Temos que seguir no partido e prepará-lo para esses
novos tempos de guerra. A luta vai ser no corpo a corpo e de baioneta escalada.
De minha parte já desembanhei a minha e vou ocupar a minha trincheira na área
que posso travar melhor o combate, que é a de formação política. Estou
trabalhando num curso de “Política para principiantes” e vou disponibilizá-lo no
face para capacitação virtual e também presencial. À luta companheiros!
*Marcos Inácio Fernandes é professor aposentado e
militante do PT.
(1) Na minha tese de Mestrado sobre o “PT No Acre: a
construção de uma terceira via” narrei a trajetória do partido da sua fundação
até chegar a Prefeitura de Rio Branco em 1992. Utilizei o símbolo da estrela do
PT (o pentagrama de 5 pontas) para intitular os capítulos do trabalho. Cap. I -
Fulge um astro na nossa bandeira; Cap. II – O despontar da estrela; Cap. III –
A estrela bruxoleia; Cap.IV – A estrela sobe e fulgura.
Daí o título desse artigo “O declínio da Estrela”
STF
ResponderExcluirOs brasileiros que votaram em Dilma, querem um Estado Social. E não esse programa neoliberal elitista.O país não merece a barbárie capitalista.
Os Senhores precisam nos salvar. O Brasil perderá a soberania.
Moderem os excessos do legislativo.Anulem o impeachment.