quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O DECLÍNIO DA ESTRELA.






O Declínio da Estrela (1)
(Quem era o PT em que está virado)

Por: Marcos Inácio Fernandes*

“Chorei / não procurei esconder / todos viram / fingiram / pena de mim não precisava / ali onde chorei qualquer um chorava / dar a volta por cima que eu dei / quero ver quem dava. // um homem de moral / não fica no chão / nem quer que mulher / lhe venha dar a mão / reconhece a queda / e não desanima /levanta, sacode a Poeira e dá a volta por cima.”
Paulo Vanzolini (1924-2013) - Samba de 1962, Volta Por Cima.

Essa música é um dos nossos, inúmeros, “hinos nacionais” que o povo canta e sabe decorado. Seu autor, que também era cientista na área de zoologia, numa de suas últimas entrevistas, falou o seguinte: “as pessoas apreciam e destacam mais nessa música os versos que falam de “levantar a poeira e dá a volta por cima”. E Vanzolini arrematava: mais importante que levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima é primeiramente – RECONHECER A QUEDA.”

Reconhecer a queda do nosso Partido dos Trabalhadores – PT, que se encontra no fundo do poço e que se comporta igualmente a pau podre que “tanto cai como derruba os outros” é o que pretendo fazer nesse artigo.

 1º - Sim, nós também fizemos corrupção e cometemos crimes. Não esse “crime de responsabilidade”, que usaram como pretexto para destituir a nossa Presidenta, mas inúmeros outros tipificados em lei. Nós que éramos pregadores da ética na política e apontávamos o dedo para os desvios dos outros, nos igualamos aos “outros”. E esse comportamento é inaceitável no “pregador” enquanto que no “pecador” contumaz é tolerável. As pessoas já estão acostumadas com essas disfunções comportamentais e de caráter.
O certo foi que perdemos o nosso discurso ÉTICO e ganhamos dois apelidos pejorativos que já se incorporaram ao vocabulário político: PETRALHAS e MENSALEIROS.
Desprezamos uma lição de Sun Tzu (500 a.C) da sua Arte da Guerra no capítulo VIII, que transcrevo integralmente e negrito o tópico específico sobre o desvio de conduta. Ensina Sun Tzu:

 “Há cinco erros perigosos que podem afetar um comandante: A negligência, que leva à destruição; A covardia que leva à captura; A debilidade da honra, que é sensível à vergonha; E um temperamento impetuoso, que pode ser provocado com insultos. O último desses erros é excesso de solicitude com seus soldados, expondo-os a preocupações e perturbações (Cap. VIII).”

O PT, que mereceu um estudo, depois transformado em livro, da brasilianista americana Margaret Keck: “PT A Lógica da Diferença - O Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira” (São Paulo: Editora Ática, 1991), não manteve essa “lógica da diferença” que nos distinguia dos demais e nos tornamos a mesma gelatina, pastosa e sem densidade, que caracterizam a maioria das agremiações políticas brasileiras. Cedemos as suas velhas práticas e nos demos mal. Muito mal.

2º - E fizemos isso porque achávamos que estando no governo estaríamos também no poder. Faltou-nos a leitura do clássico de Raymundo Faoro – “Os Donos do Poder” (São Paulo: Globo, 1991), onde ele mostra a formação do patronato político brasileiro. Também faltou algumas leituras básicas para saber que o poder se desloca, que tem diversas faces, que é constituído pelas relações de forças na sociedade. “A construção de uma estratégia de poder para as classes subalternas depende, antes de tudo, da análise de poder das classes dominantes. Porque se trata de um processo simultâneo de desarticulação desse poder e de construção de um novo.” (Emir Sader – O Poder, Cadê o poder? Ensaios para uma nova esquerda. São Paulo: Boitempo Editorial, 1997). Não tivemos forças nem capacidade para desarticular o poder dominante nem construir um novo. Fico num exemplo emblemático: não mexemos no poder da mídia capitaneada pelas organizações globo. O latifúndio midiático, bem mais concentrado que o latifúndio rural. A mídia familiar dos clãs Marinho, (Rádio e TV Globo, Globo News, G1, revista Época e jornal O Globo) Civitas, (Veja e demais publicações) Mesquita, (Estado de São Paulo) Frias, (Folha de São Paulo e Portal UOL), Abravanel, (SBT) Saady, (BAND), Macêdo (Record), e Syrotski (RBS). Essas famílias que fazem a “cabeça” do nosso povo, através de seu domínio ideológico, não foram desarticuladas. Pelo contrário, através das verbas publicitárias do governo, pagamos para apanhar diuturnamente. Havia um discurso único e uma pauta comum a todos eles: “o Brasil é uma merda”, vazamentos na imprensa de investigações, ditas sigilosas, assassinatos de reputações, amplificação distorcidas e tendenciosas dos fatos e pré-julgamentos e condenações pela imprensa, que se arvorou em se transformar em partido político, sem registros no TSE e sem votos.
Ademais, os donos do poder, que sempre foram tão condescendentes com os esquemas de corrupção e outros desvios de comportamento, foram implacáveis com o PT. Os nossos corruptos foram pré-julgados, processados, julgados, condenados (alguns sem provas) e presos.
Os demais corruptos das outras agremiações continuam soltos. E vejam quanta ironia: enquanto Dilma perde o mandato por ter assinado 3 decretos e ter pago os bancos públicos na operação do Plano Safra, apelidado de “pedaladas fiscais”, o xerife plenipotenciário, “o juiz” Moro, não consegue achar nem o endereço da esposa do Eduardo Cunha para chamá-la á depor, em que pese, as provas robustas dos crimes praticados pela família Cunha.
Uma coisa que me espanta e me chama atenção nesse problema é que os “nossos corruptos” não ostentam riquezas, não possuem contas secretas em paraísos fiscais, imóveis suntuosos no Brasil e no exterior, aviões, iates, etc. Se tivessem já teriam descoberto. Onde é que os companheiros estão guardando tanto dinheiro?

3º - A política de alianças do nosso partido foi um desastre. Nesse aspecto o PT do Acre, dos tempos heroicos, foi profético. Diz um militante em entrevista ao jornal Gazeta do Acre em 24/11/1981, a respeito do PT se coligar para as primeiras eleições diretas para governador em 1982. Perguntado se o partido podia se coligar com o PMDB e se este partido era diferente do PDS, a resposta foi a seguinte: “tanto faz o cão como a mãe dele e completou: a coligação com o PMDB seria alimentar a cobra que vai nos morder.” (Tese de Mestrado do autor – O PT No Acre: a construção de uma terceira via. Pág.82). Todos que tem alguma leitura política sabem que o PMDB só prestava e tinha alguma densidade, quando abrigava, no seu generoso guarda-chuva, os comunistas, socialistas e outros democratas, que faziam a dupla militância na legenda. Quando os partidos foram todos regularizados, o PMDB virou esse partido “ônibus” onde cabe todo mundo, de políticos sérios como Requião a bandidos como o Cunha. E passados 35 anos, não é que a profecia do militante do PT se concretizou! A cobra, que alimentamos por tanto tempo, finalmente deu o seu bote peçonhento e nos mordeu de forma letal.
Quando o PT afirma a sua institucionalidade, o seu 5º Encontro Nacional, em dezembro de 1987, define a sua política sobre o “acúmulo de forças” e a sua “política de alianças”. Dizia o documento: “O PT não se funde, nem se confunde (...) Aliança não é uma questão de princípios para o PT, mas o PT só faz alianças com princípios” (Tese de Mestrado do autor – O PT No Acre: a construção de uma terceira via. Pág.121). Foi assim na formação da Frente Brasil Popular – FBP, composta pelas forças de esquerda: PT, PC do B, PSB, que levou Lula ao 2º turno contra Collor em 1989, e nesse 2º turno recebeu o reforço do PCB, PDT e PV. Aqui no Acre foi construída uma frente nos mesmos moldes em 1990, que levou Jorge Viana ao 2º turno contra Edmundo Pinto. A Frente Popular do Acre – FPA era composta pelas agremiações do PT, PC do B, PDT, PSB, PV e PPS. Eram coligações que aglutinavam apenas 6 partidos do campo da esquerda. Na sequência a coisa degringolou. Eis a coligação que em 2014, elegeu Dilma com Temer de vice: COLIGAÇÃO COM A FORÇA DO POVO (PT / PMDB / PSD / PP / PR / PROS / PDT / PC do B /PRB). Aqui no Acre a coligação que reelegeu Tião Viana a Coligação: Frente Popular do Acre (PDT / PRB / PT / PSL / PTN / PSDC / PHS / PSB / PRP / PEN / PPL / PC do B / PROS / PTB). São 14 partidos, incluindo, o PT e agora nessas eleições para Prefeitura de Rio Branco, a Frente Popular de Rio Branco é maior ainda. São 15 partidos a saber: PT/ PC do B /PSOL / PV/ PDT/ PMB/ PPL/ PRP/ PSB/ PSDC/ PRB /PROS / PTN / PSL / PHS.
O que nos levou a dilatar tanto os nossos “princípios”? A mim me parece que foram duas coisas: abrimos mão do nosso programa partidário em detrimento da propaganda e do marketing político e nossas alianças foram estabelecidas em função do tempo na televisão e no rádio. Os marqueteiros substituíram, em parte, a militância. E a nossa militância que era, historicamente, abnegada foi ficando mercenária. Tinha que ter “um ventinho nas co$ta$” para empunhar as nossas bandeiras e fazer o corpo a corpo no dia das eleições. Ninguém me contou, eu vi. Por outro a governança tornou-se complicada. Como acomodar tantos partidos na equipe de governo e na máquina pública?
Nesse processo de alianças, entre as quais, aceitamos até o Maluf, que sempre foi um crítico ferrenho do nosso projeto onde ele dizia: “Se você tiver uma fazenda e, na hora da colheita, tiver que optar entre um administrador petista e uma nuvem de gafanhotos, fique com os gafanhotos” (Tese de Mestrado do autor – O PT No Acre: a construção de uma terceira via. Pág.136). As administrações do PT, local e nacional, desmentiram Maluf. Mas o certo foi que o nosso partido desconsiderou a filosofia popular quando diz: “quem se junta aos porcos farelos come” e também não leu Maquiavel e o seu obrigatório “O Príncipe”, que no seu capítulo VIII ensina: “As armas de outrem, ou te caem de cima, ou te pesam ou te constrangem.”

4º - Também nos faltou uma leitura de Maquiavel para escolher melhor os assessores do 1º escalão do governo. O Príncipe pontifica: “Não é de pouca importância para um príncipe a escolha dos ministros. (...) É a primeira conjectura que se faz da inteligência de um senhor, resulta da observação dos homens que o cercam.” (Cap.XXII)
Aqui eu abro um espaço para relembrar outro fato histórico. Na crise de 54, Vargas na véspera do suicídio, reuniu seu Ministério para discutir alternativas para, pelo menos, abrandar a crise. Não teve sucesso a reunião. Então Getúlio encerrou a reunião dizendo: já que os meus Ministros não decidem, está encerrada a reunião eu vou dormir. E deu uma ordem final: mantenham a ordem pública. Quando já se dirigia para os seus aposentos, comentou com sua filha, Alzira Vargas, esse meu Ministério, a metade não é capaz de nada, a outra metade é capaz de tudo.”
Assim foi o Ministério da Dilma nesse 2º mandato. Seus Ministros mais próximos e do PT, Cardozo (Justiça). Bernardo (Comunicação), Mercadante (Casa Civil e Educação) não foram capazes de nada. A outra metade do PMDB, Lobão, Braga, Garibaldi Alves, Henrique Alves, Elizeu Padilha, Moreira Franco, Gedel Vieira, foram capazes de tudo. Até mesmo de conspirar e trair. E nem Cristo escapou da traição.
Ademais o nosso “Republicanismo” foi, no mínimo, ingênuo. Tanto Lula como Dilma fizeram indicações desastrosas para Ministros do Supremo, para a PGR, para a Polícia Federal e outros órgãos estratégicos. Muitas dessas autoridades não se comportaram republicanamente, pelo contrário, bombearam água para o moinho do golpe.

5º - Eu não tenho dúvidas, que perdemos o governo pelo “conjunto da obra”. Nesses 13 anos de governos do PT, o pobre entrou no orçamento pela 1ª vez. Uma pequena nesga é bem verdade, mas, que possibilitou tirarmos mais de 30 milhões de pessoas da miséria absoluta e incorporarmos mais 40 milhões ao mercado de consumo. Saímos do mapa da fome da ONU, aumentamos nossas reservas cambiais e cometemos as extravagâncias de levar luz para todos, médicos aos grotões do Brasil, criamos novas Universidades e Escolas Técnicas e levamos pessoas humildes a frequentá-las. O povo gostou e começou a esnobar querendo até viajar de avião. Foi demais para a nossa elite plutocrática compartilhar aeroportos e ver o pessoal da senzala começar a usufruir das benesses do capitalismo.

A nossa grande falha foi não ter transformado consumidores em cidadãos. O Frei Beto faz uma análise precisa dessa questão. Muitos tijolos na cidade “Brasil” e poucos na cidadania. E quando acontece um novo golpe, a exemplo do 1º golpe de 1889, que cria a República, que foi também marcado pela traição, “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada.” (Aristides Lobo em carta a um amigo). Nesse agora, da mesma forma. O povo, tampouco, conhece o significado das tais “pedaladas fiscais” e dos “decretos de suplementação” que serviram de pretextos para se incriminar e cassar uma presidenta eleita com 54,5 milhões de votos.

Esses golpe de 31 de agosto de 2016,  nos remete para a necessidade de investirmos na capacitação política da militância, que foi tão negligenciada pelo PT. De construirmos CIDADANIA, fazer “o povo pensar” como disse o poeta Castro Alves no seu poema “O Livro e a América.” Temos que refutar, com veemência, o conselho da classe dominante, que diz: “Não pense. Se pensar não fale. Se falar não escreva. Se escrever não publique. Se publicar esconda.” Temos que pensar o Brasil e repensar o nosso partido. E só com estudos, informações, debates e compartilhamentos de idéias, se faz isso. É isso que leva a formação de uma nova HEGEMONIA, como ensina Gramsci.

Nessa hora difícil é que o partido precisa de seus quadros e de sua militância. Temos que seguir no partido e prepará-lo para esses novos tempos de guerra. A luta vai ser no corpo a corpo e de baioneta escalada. De minha parte já desembanhei a minha e vou ocupar a minha trincheira na área que posso travar melhor o combate, que é a de formação política. Estou trabalhando num curso de “Política para principiantes” e vou disponibilizá-lo no face para capacitação virtual e também presencial. À luta companheiros!

*Marcos Inácio Fernandes é professor aposentado e militante do PT.

(1) Na minha tese de Mestrado sobre o “PT No Acre: a construção de uma terceira via” narrei a trajetória do partido da sua fundação até chegar a Prefeitura de Rio Branco em 1992. Utilizei o símbolo da estrela do PT (o pentagrama de 5 pontas) para intitular os capítulos do trabalho. Cap. I - Fulge um astro na nossa bandeira; Cap. II – O despontar da estrela; Cap. III – A estrela bruxoleia; Cap.IV – A estrela sobe e fulgura.
Daí o título desse artigo “O declínio da Estrela”


Um comentário:

  1. STF
    Os brasileiros que votaram em Dilma, querem um Estado Social. E não esse programa neoliberal elitista.O país não merece a barbárie capitalista.
    Os Senhores precisam nos salvar. O Brasil perderá a soberania.
    Moderem os excessos do legislativo.Anulem o impeachment.

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