segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A GRANDE LIÇÃO DA DEMOCRACIA: É PREFERIVEL COCO DE RATO A BOSTA DE ELEFANTE.

A grande lição de Rubem Alves sobre a democracia. Uma lição pertinente no dia em que está prevista a sessão para cassar  Eduardo Cunha, um dos grandes ratos do Congresso. Vamos acompanhar se vai, pelo menos, haver número de Deputados suficiente para abrir a sessão na Câmara Federal (MIF)




O Rato Roeu o Queijo do Rei...

Rubem Alves (1933-2014)

A democracia, eu sempre a amei. Mas, de repente, relendo uma fábula antiga, tive iluminação Zen: meu saber afetivo transformou-se em saber filosófico: sei agora as razões por que amo a democracia. E acho importante que você leitor, saiba o que fiquei sabendo para que, a despeito de tudo, você continue a amar a democracia. Assim, passo a contar-lhe a mesma estória que eu contava à minha neta no momento quando a iluminação aconteceu:
Havia, outrora, num país distante, um rei que amava queijos acima de quaisquer outros prazeres. O seu amor pelos queijos era tão grande que ele mandou vir, de todas as partes do mundo, os mais renomados especialistas em queijo, aos quais foram oferecidos recursos não só para continuar a fabricação de queijos já conhecidos, como também para se dedicar à pesquisa de novos queijos, para assim alargar as fronteiras da ciência, da técnica e da gula. Ficaram famosos os queijos fabricados com leite de baleia e leite de unicórnio, estes últimos procuradíssimos pelas suas virtudes afrodisíacas. O palácio do rei era um enorme depósito de queijos de todas as qualidades, encontrando-se nele os queijos  camenbert, cheddar, edam, emmenthal, gorgonzola, gouda, limburger, parmesão, pecorino, provolone, sapsago, trapista, prato minas, mozarela, ricota, entre outros.
O país tornou-se famoso e enriqueceu-se com a exportação de queijos. O seu cheiro atravessava os mares. Universidades foram criadas com o objetivo de desenvolver a ciência dos queijos. Houve mesmo uma escola teológica que concluiu que o santo sacramento da eucarestia não foi primeiro celebrado com pão e vinho, mas com queijo e vinho, donde se originou o costume que perdura até hoje nas celebrações profanas.
Aconteceu, entretanto, que além do rei e do povo havia outros seres no reino que também gostavam de queijo: os ratos. Atraídos pelo cheiro que saía do palácio, mudaram-se para lá aos milhares e passaram, imediatamente, a banquetear-se com os queijos reais.
Os ratos comiam e se multiplicavam. Tomaram todos os lugares: armários, gavetas, canastras, camas, sofás, cozinha, cofres e até mesmo a barba do rei. O rei passou a ser morada de ratos.
 Mas o pior de tudo era que os ratos, premidos por imperativos digestivos, tinham que expelir por uma extremidade o que haviam engolido pela outra, e, a medida que andavam, espalhavam pelo palácio um rastro de minúsculos cocozinhos, durinhos e malcheirosos.
Furioso, o rei chamou os seus ministros e perguntou-lhes:
- Que fazer para nos livrarmos dos ratos?
Eles responderam:
- É fácil Majestade. Basta trazer os gatos.
O rei ficou felicíssimo com  idéia tão brilhante e mandou trazer uma centena de gatos para dar cabo dos ratos.
Os ratos, ao verem os gatos, fugiram espavoridos. Foram-se os ratos . Ficaram os gatos que encheram o palácio. À semelhança dos ratos, os gatos comiam tudo que viam e, compelidos pelas mesmas exigências fisiológicas que moviam os roedores, cobriram os brilhantes pisos do palácio com seus cocos fedorentos.
Furibundo, o rei chamou seus ministros e perguntou-lhes:
- Que fazer para nos livrarmos dos gatos?
E eles responderam:
- É fácil, majestade. Basta trazer os cachorros.
Vieram os cachorros de todos os tipos, grandes e pequenos, curtos e compridos, lisos e pintados.
Os gatos, ao verem os cachorros, fugiram espavoridos. Foram-se os gatos. Ficaram os cachorros, que encheram o palácio. E a mesma estória se repetiu. Ao final, havia coco de cachorro por todos os lugares do palácio.
Apoplético, o rei chamou os seus ministros e perguntou-lhes:
- Que fazer para nos livrarmos dos cachorros?
E eles responderam: - É fácil, Majestade. Basta trazer os leões.
Vieram os leões com suas jubas e urros. Os cachorros, ao verem os leões, fugiram em desabalada carreira. Foram-se os cachorros. Ficaram os leões. Mas os leões não só comiam cem vezes mais, como defecavam cem vezes mais que os minúsculos camundongos. O tesouro real entrou em crise. Baixaram as reservas de ouro. O dinheiro não chegava para pagara carne que os leões comiam. E para pagar os catadores de cocos, que ameaçavam entrar em greve.
Desesperado, o rei chamou os seus ministros e perguntou-lhes:
- Que fazer para nos livrarmos dos leões?
E eles responderam: É fácil, Majestade. Basta trazer os elefantes.
Foram-se os leões. Ficaram os elefantes. Enormes, eles comiam montanhas e defecavam montanhas. O palácio transformou-se num enorme monte de bosta de elefante. E a fedentina encheu o reino e atravessou os mares.
 Em depressão profunda, o rei chamou seus ministros e perguntou-lhes com voz sumida:
- Que fazer para nos livrarmos dos elefantes?
Os ministros lembraram-se, então, que os elefantes, que nada temem, estremecem-se de medo ao verem um rato. E responderam em coro:
- É fácil, Majestade. Basta trazer os ratos!
E assim foi feito. Voltaram os ratos. Foram-se os elefantes. O rei e todos os que moravam no palácio passaram sorridentemente a conviver com os ratos e os seus cocos.
O dia chegará quando minha neta terá crescido. Não mais lhe contarei estórias. Ela aprenderá sobre a política. Quererá visitar o Congresso Nacional, símbolo da democracia. Notará, espantada, que os prédios estão cheios de cocos de ratos. Me dirá  espantada: Vovô, deve haver muitos ratos por aqui!
Eu responderei: Sim, muitos ratos. E ele me perguntará: mas por que não trazem os gatos para acabar com os ratos? Então eu lhe contarei de novo esta estória e lhe direi: Aprenda a grande lição da democracia; é preferível coco de rato à bosta de elefante.







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