Para não esquecer o dia da infâmia (8 de
janeiro de 2023)
Homero
Costa
7 de janeiro de 2024
Foto: Marcelo Camargo / Agência
Brasil
Muito já se escreveu e publicou sobre
os atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 e também sobre os seus
desdobramentos, com a prisão e condenação (até o momento de uma minoria) de
participantes diretos e quase um ano depois, o primeiro financiador, um
empresário de Londrina, foi indiciado (certamente outros também serão), acusado
de fretar ônibus que transportaram para Brasília de participantes dos atos,
além de organizar grupos que atacaram as sedes dos três Poderes. Segundo a
denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, ele é acusado de
cometer cinco crimes: abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe
de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado mediante violência ou
grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Até o momento, 30 dos 1.406 réus foram
condenados a até 17 anos, denunciados por associação criminosa armada,
tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrático de
direito, dano qualificado e deteriorização do patrimônio público.
Apesar do repúdio e indignação dos
democratas em geral, incluindo obviamente o governo Lula, é preciso afirmar que
também teve seus defensores, não apenas participantes diretos dos atos de
vandalismo, como parcela da sociedade apoiadora do ex-presidente, inclusive na
imprensa, como alguns comentaristas da (mais explicitamente) rede de rádio e TV
comercial bolsonarista, a Jovem Pan.
O que houve no dia 8 de janeiro de 2023
no Distrito Federal com a horda de bárbaros invadindo
e depredando os prédios dos três poderes – mobilizados, financiados e
“convidados” para a “festa da Selma” - pode ser considerado como “o resumo
compacto do governo Bolsonaro (...) síntese dos piores momentos do que já foi
péssimo” como afirmou o jornalista e professor (USP) Eugenio Bucci (A máscara mortuária, o Estado de
S. Paulo, 11/01/2023).
Alguns chamaram de versão tupiniquim do
capitólio (eventos ocorridos no dia 6/1/2021 nos Estados Unidos com a invasão do Capitólio- onde era certificada a vitória de Joe Biden
- por apoiadores do então presidente Donald Trump,
alegando fraude nas eleições presidenciais).
O jornal Correio Braziliense na
matéria Comunidade internacional condena o "Capitólio tupiniquim"
(9/1/2023) escrita por Rodrigo Craveiro, afirma que houve
imediata repulsa pelos defensores da democracia, como também da comunidade
internacional, condenando com veemência a barbárie, citando o presidente dos
Estados Unidos, Joe Biden, que classificou o que ocorreu em Brasília como
"ultrajante" e anunciando apoio total a Lula.
É citado também o professor do
Departamento de História da Universidade de Denver (Colorado), Rafael R. Ioris
que via “um paralelo muito forte entre os atentados terroristas de Brasília,
e o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021”. Para ele “há
semelhanças, tanto do ponto de vista empírico, com a invasão das forças da
extrema-direita brasileira e norte-americana às instituições democráticas.
Esses atores tiveram grande cooperação nos últimos tempos, partindo de uma
mesma cartilha. A proximidade dos ex-presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump
é explicitamente a demonstração da partilha de uma agenda neofascista"
(https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/01/5064614-comunidade-internacional-condena-o-capitolio-tupiniquim.html).
Sobre o uso do termo “capitólio
tupiniquim” uma matéria publicada no dia 11/01/2023 no site do Terras Indígenas Brasil por Trudruá Dorrico,
escritora indígena da etnia Macuxi e doutora em Teoria da Literatura pela
PUC/RS se refere a Danilo Tupinikim, indígena pertencente ao povo Tupinikim,
que criticou o jornal Correio Braziliense por
publicar uma matéria e usar o termo Capitólio Tupiniquim. Para ele “querem
fazer uma relação à invasão do congresso americano pela extrema-direita
trumpista, mas acabam cometendo racismo contra um povo inteiro”.
O nome próprio do povo é Tupinikim
(“grafado desta maneira para diferenciar-se da ideia de extinção propagada no
século XVI”) que não pode nem deve estar “associando ao ato antidemocrático e
terrorista ensejado por bolsonaristas no dia 8 de janeiro - ao mesmo tempo em
que apaga a luta de todo esse povo pelo reconhecimento enquanto povo
originário”.
E ressalta ainda que “o Povo Tupinikim não compactua com esse atentado à
democracia brasileira, pelo contrário, repudia o ato. Ressalto também que
durante décadas os povos indígenas deste país sempre foram recebidos à balas de
borracha, spray de pimenta e todo o aparato violento da polícia em diversas
manifestações na busca pela garantia de direitos e da nossa sobrevivência, em
nenhum deles, houve danos ao patrimônio público"
(https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/217820).
O fato é que os ataques que
ocorreram no Distrito Federal foram antecedidos por um governo, como afirma
Bucci “que se estruturou, desde o início, com um projeto articulado de ruptura
da ordem democrática (...) os depredadores teleguiados encenaram a sanha-mestra
do bolsonarismo: a vandalização das instituições democráticas, do patrimônio histórico,
dos valores culturais, da política, da Justiça e dos equipamentos públicos. O
governo defunto parece ter reencarnado na malta para terminar o serviço de
destruição que deixara incompleto”.
(https://www.estadao.com.br/opiniao/eugenio-bucci/mascara-mortuaria/).
Foi claramente uma tentativa de golpe,
com o apoio de parte das Forças Armadas e da Polícia Militar do Distrito
Federal e também de parte da sociedade que apoiava (e grande parte continua
apoiando) Bolsonaro e se muitos não estiveram presentes (financiados para se
deslocarem de suas casas e ficarem hospedados em hotéis, pousadas etc., ou em
acampamentos em frente a quartéis do Exército), apoiaram os atos e as
concentrações golpistas com a conivência que se conhece, que não apenas
permitiu como impediu sua retirada.
O que os criminosos, fanatizados,
financiados e estimulados fizeram foi colocar em prática essência do governo
que defendiam: a tentativa de destruição das instituições democráticas e um
golpe militar, com Bolsonaro à frente. Não conseguiram. O fato é que os atos
foram apenas resultado, o ápice da insensatez, da violência e da intolerância.
E que teve um caminho pavimentado por um presidente de extrema direita, e seus
apoiadores, que desde o início tinham como objetivo instaurar um Estado de
exceção. Assim, para compreender os atos com maior alcance é preciso considerar
também como resultado, ao longo dos quatro anos, de ataques à democracia, às
instituições (como o STF e TSE em particular), às urnas eletrônicas (sem
apresentar uma única prova de que houve fraude), ódio à cultura (destruíram
obras de arte, quadros, equipamentos, que não pertencem aos presidentes, é
patrimônio público, definido em Lei como “um conjunto de bens e direitos de
valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, que são
pertencentes aos entes da administração pública direta e indireta”), além do
descaso com a educação, ciência, saúde pública (expressa no boicote e criticas
as vacinas etc.).
Com o fracasso da tentativa golpista,
muitos foram (e ainda continuam) presos e o curioso é que, os que invadiram e
depredaram os prédios públicos, quando presos, perguntavam: cadê os direitos
humanos? Logo eles, justamente os que desprezavam os direitos humanos (como se
fossem apenas para proteger bandidos). São esses os homens (e mulheres)
de bem que depredaram patrimônio público e defendem
ditadura? Nesse sentido, cabe a pergunta que alguém fez: o que vai à mente
turva não apenas de quem obedece, mas de quem comanda esse tipo de gente?
Os atos foram também resultado de um
processo que se origina em 2013, onde se começou a chocar o “ovo da serpente” e
a construção das bases do neofascismo, que tomou impulso com o golpe contra a
presidente Dilma Rousseff em 2016 e especialmente depois de 2019.
Lênio Streck jurista, professor dos
cursos de pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(RS) e autor entre outros livros de “O que é fazer a coisa certa no
Direito” (Editora dialética, 2023) no artigo “Quem pariu o 8 de
janeiro e quem o embala?”, publicado no Conjur (Consultor
Jurídico, revista eletrônica especializada em notícias ligadas a temas
jurídicos) no dia 12/01/2023, chamou de “o dia da vergonha” que todos deveriam
repudiar, mas que “lamentavelmente muitos, inclusive parlamentares, advogados,
jornalistas etc., em total dissonância cognitiva buscaram justificar”.
E salienta que os atos foram
antecedidos, entre outros aspectos, pelo processo sistemático de criminalização
da política e a fragilização das instituições que pavimentou o caminho para Bolsonaro
ser eleito (com o apoio da grande mídia, de lideranças de igrejas, em especial
de algumas neopentecostais com seus empresários da fé etc.,)
e que os atos criminosos foram apenas consequência do desprezo às instituições
e uma tentativa de golpe para instaurar uma ditadura no país.
Para ele, o 8 de janeiro de 2023 foi
também resultado do fanatismo, da estupidez, ignorância, violência e das
pregações golpistas do ex-presidente.
No artigo se refere também à operação
Lava Jato e a conivência do meio jurídico, ao se constatar a sucessão de
ataques à Constituição “quantos Juristas perceberam que o lavajatismo incubava
o autoritarismo, que resultou no bolsonarismo?”.
Em relação aos atos, se houve uma
compreensível repulsa, pelo menos dos democratas e de não fanatizados, há de se
ter consequências penais exemplares para evitar que algo semelhante possa
ocorrer novamente, ou seja, que a justiça faça sua parte, punindo exemplarmente
não só a turba ensandecida, que invadiram e depredaram os
prédios das três instituições, como também quem estava por trás, teleguiando a
estupidez. Se ficarem impunes, vão continuar a tramar e tentar novamente. Não
pode e nem deve haver anistia para quem conspirou e atentou contra a
democracia.
E ao mesmo tempo, a importância do
governo Lula em envidar todos os esforços, como tem procurado fazer, para
combater a desinformação, a fábrica de fake news e de fanatismo, que são as
bases do neofascismo no Brasil, que se conecta com a extrema direita global.
Homero
Costa