sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

TRIBUTO À JOSÉ SILTON PINHEIRO

Há 45 anos passados Silton - o "Gameleira" foi assassinado, sob tortura. nos calabouços da ditadura militar implantada no país em 1964.
Presto um tributo à sua memória para que essas infâmias não mais se repitam. Hoje Silton é nome de rua no bairro Paciência da zona oeste do Rio de Janeiro.
Faço um breve relato histórico de quem foi Silton e uma crônica de como o conheci.

JOSÉ SILTON PINHEIRO (31/05/1948 – 29/12/1972)

Militante do PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO REVOLUCIONÁRIO (PCBR). Nasceu em 31 de maio de 1948, no Rio Grande do Norte, [...] Rapaz cheio de alegria, senso de humor e com enorme facilidade de fazer amigos, tinha especial carinho pelas crianças. Também se caracterizou pela grande força de vontade para atingir os objetivos a que se propunha.
 Em 1970, ingressou na Universidade do Rio Grande do Norte, no curso de Pedagogia. Meste mesmo ano passou a militar no PCBR, atuante em Natal, Recife e por fim, na cidade do Rio de Janeiro. Foi morto aos 24 anos de idade no Rio de Janeiro, junto com Fernando Augusto Valente da Fonseca, Getúlio d’Oliveira Cabral e José Bartolomeu Rodrigues de Souza. Foi carbonizado dentro de um Wolkswagen, na Rua Grajaú, nº 321 (RJ), após ter sido preso e torturado pelo DOI-CODI/RJ, “teatrinho” feito pela repressão para justificar a versão de morte em tiroteio ao reagir à prisão.
 O corpo de José Silton entrou no IML/RJ como desconhecido, em 30 de dezembro de 1972, com a guia nº12 do DOPS. Na certidão de óbito [...] é dado como desconhecido, assinando como declarante José Severino Teixeira e firmada pelo Dr. Roberto Blanco dos Santos. No verso de seu óbito há a seguinte frase manuscrita: “Inimigo da Pátria (Terrorista)”. Foi enterrado em 06 de fevereiro de 1973, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque (RJ), na cova nº 22.706, quadra 21.

 Em 20 de março de 1978, seus restos mortais foram transferidos para o ossário geral e, em 1980/1981, foram para uma vala clandestina, junto com cerca de 2.000 ossadas de indigentes. Há ainda laudo [...] e fotos de perícia do local [...] encontrados no Instituto Criminal Carlos Éboli/RJ. As fotos mostram o corpo de José Silton totalmente carbonizado, dentro do Wolkswagen incendiado, placa GB/EB-3890.


























Ao amigo que me indicou o bom caminho, minha gratidão eterna!

Tributo à José Silton Pinheiro.

Por: Marcos Inácio Fernandes.

Conheci o Silton jogando bola. No final dos anos 60 e início dos 70, eu era um meio de campo que jogava até razoável e vivia batendo bola pelo interior. Durante algum tempo  joguei pelo time do sítio de Japecanga, perto da minha cidade, Parnamirim. Era nesse sítio que morava o pai do Silton, seu Milton, e ele sempre estava lá nos finais de semana e também participava do jogo.
Na primeira vez, que estive em Japecanga, o que me chamou atenção foi o fato de um rapaz daquelas brenhas está assobiando músicas do Edu Lobo e Geraldo Vandré. Era o Silton. Após esse primeiro jogo, retornamos no caminhão do time de Natal e entabulamos conversa sobre as músicas que ele estava cantarolando. Informei-lhe que eu gostava da MPB e que escutava os programas de rádio de Irapuã Rocha, na Rádio Rural, e o de Rubens Lemos, na rádio Cabugi. O prefixo do programa do Rubens Lemos, dizia “Acorda samba do Brasil....”  Fiquei sabendo que ele ia fazer vestibular para Educação, que havia concluído o 2º grau no colégio Marista de Natal, que era do movimento estudantil e que havia sido criado por D. Lira, sua mãe adotiva. Na oportunidade lhe informei que também era secundarista e que estava pensando fazer Sociologia e ele, com o seu jeito expansivo e alegre, fez a uma festa e me deu a maior força.
Desde então, ficamos amigos e freqüentávamos a casa um do outro. Continuamos a jogar no time de Japecanga, passamos no vestibular para as nossas áreas e a amizade evoluiu para um companheirismo partidário. Através do Silton eu pude enveredar pela trilha revolucionária que os jovens acalentam e acabei sendo “recrutado” para militar na FREP (Frente Revolucionária Popular), uma frente capitaneada pelo PCBR.
A minha militância “revolucionária” se restringiu a algumas leituras de textos clássicos da literatura socialista: O Manifesto Comunista, Esquerdismo: a Doença infantil do Comunismo, O Estado e a Revolução e romances do Jorge Amado: Subterrâneos da Liberdade, poesias de Brechet e Castro Alves e por aí. Através do Silton, tomei conhecimento do trabalho de Geanfrancesco Guarnieri, “Arena Canta Zumbi” e de “Liberdade, Liberdade” de Flávio Rangel e Millôr Fernandes. Esse trabalho teatral sobre a Liberdade já estava censurado, mas o Silton, ainda conseguiu comprar um LP e me presenteou. Guardo esse presente até hoje.  Agora, recentemente, já no século XXI,  consegui esse trabalho em CD na coletânea  das duas coleções da Nara Leão, que na época participava do elenco da peça.
  As minhas  ações “revolucionárias” se restringiram a duas panfletagens. Uma no cine Nordeste (jogar uns panfletos na parte de cima do cinema durante a projeção) e a outra dentro de um ônibus de linha que transportava trabalhadores nas primeiras horas da manhã de um bairro de Natal que eu não sabia qual era (tinha ido dormir no aparelho e de lá para o local da atividade, sempre de olhos vendados).
Na primeira semana de faculdade, na Fundação  José Augusto, que oferecia os cursos de Sociologia e Jornalismo, recebi uma tarefa de me articular com Izolda, que também havia sido aprovada no curso, para formarmos uma célula de esquerda na faculdade. Mantivemos os primeiros contatos, mas, logo em seguida, (acho que com menos de 15 dias de curso), a Izolda foi presa quando soltava uns panfletos na fábrica de confecções Guararapes, na hora da saída das operárias. Izolda foi incursa na Lei de Segurança Nacional e pegou 2 anos de detenção, que cumpriu na Penitenciária João Chaves.
Fui com o Silton visitá-la algumas vezes e esse infortúnio proporcionou um romance/namoro entre Silton e Izolda e foi lá que conheci a Eró, irmã de criação da Izolda, com quem mais tarde me casei e vivo até hoje. A possibilidade de ter conhecido essas pessoas (Silton, Izolda, Eró) foi a grande dádiva que o projeto ingênuo, mas generoso, da esquerda me presenteou e me moldou como se humano (também ingênuo mas, da mesma forma, generoso).
Ainda através do Silton, conheci Paulo Pontes, que esteve na minha casa participando de uma discussão com uma freira (não lembro mais o nome) e o nosso clube de jovens da Cohabinal do qual participava Graça de D.Bena, Lauro (já falecido) e Duzinho (ainda morando em Parnamirim). Depois da reunião com a irmã, fizemos uma discussão política, na qual, o Paulo Pontes disse que a alternativa no Brasil era “partir para luta armada”.
Eles partiram (Silton e Paulo) e pagaram caro por essa opção. Silton, com a vida, tirada da forma mais ignominiosa – a tortura. Paulo Pontes, foi preso na Bahia, junto com Teodomiro dos Santos, mas ambos sobreviveram a tortura (sabe Deus com quais seqüelas). Tempos depois, em 1983, quando já morava no Acre, casado e com dois filhos (Ana e Abelardo) fui fazer um curso sobre Desenvolvimento Rural em Salvador e me reencontrei, nesse curso, com o Paulo Pontes. Ele havia feito o curso de Economia, que iniciou quando ainda estava preso. Depois de anistiado, concluiu o curso e trabalhava na CAR-BA. Reencontrei-o, bem mais velho e calvo, porém, vivo.
Silton foi para a clandestinidade e morreu por seus ideais.  Izolda, depois de cumprir sua pena, se auto-exilou no Peru e por lá casou e teve dois filhos, Jussara e Ernesto, ambos já formados, trabalhando e com filhos. Eu, que pretendia também entrar para a clandestinidade, fui preso em função de uma carta que havia enviado para Silton falando dessa minha pretensão. Na ocasião,  o Silton já havia sido assassinado e a carta  foi interceptada. Na noite de 10 de abril de 1973, ao retornar da Faculdade, quando estava chegando em casa, um jipe com dois policiais civis do DOPS, me levaram preso e me deixaram numa delegacia da Cidade da Esperança e depois fui para um depoimento no QG do Exército (hoje Museu Câmara Cascudo) e depois fui levado para a Polícia Federal.
Amarguei alguns dias na Polícia Federal, onde, logo que cheguei, levei uns sopapos de um policial, que chamavam de “Chinoca”.  Depois me encapusaram e algemaram e colocaram no piso do banco traseiro de uma Veraneio, com dois agentes com os pés no meu peito e me levaram para um local que desconheço.  Nesse local  passei por uma sessão de tortura, que se restringiu a telefones nos ouvidos, chutes e pancadas pelo tórax por algumas horas, além da tortura psicológica com ameaças de morte, de me enviar para o Doi-Codi do Recife (ali eu ia ver o que era bom, diziam). Quando retornaram comigo para a Polícia Federal, já era noite. Estava arquejando com o corpo todo dolorido e o ouvido sangrava. Na ocasião um agente da PF foi comprar uma cerveja preta e me deu prá tomar. Foi um regalo. Fiquei alguns dias na PF algemado a uma cama de campanha e incomunicável.  Apenas recebi a “visita” do tenente Albernáz do serviço de informação da Aeronáutica, que voltou a me fazer ameaças e falar mal dos comunistas, inclusive citando Prestes.
Depois de prestar vários depoimentos, fui processado pela Lei de Segurança Nacional e transferido para a Colônia Penal João Chaves. Nunca fiquei tão feliz em ir para um estabelecimento penal pois, o meu receio e o meu pavor, era que me levassem para o Dói-Codi do Recife, como viviam me ameaçando.

Gameleira - PRESENTE!!






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