Supremo – Um Ponto Fora da Curva
Por: Marcos Inácio Fernandes
, “foi um ponto fora da
curva,” dessa maneira que, polidamente, respondeu o Ministro Roberto Barroso,
quando foi sabatinado pelo Senado para ocupar uma vaga no Supremo quando lhe
perguntaram o que achava da AP 470 (Mensalão do PT)? Na 4ª feira (02/04/2018),
foi o próprio Barroso no julgamento do mérito do HC do lula, o próprio “ponto
fora da curva” arrastando com ele todo o Supremo.
Supremo tem muitos “pontos fora da curva” ao
longo de sua história, que foram caros à democracia e aos movimentos
libertários e humanistas.
O mais infame deles foi chancelar a expulsão e entrega de
Olga Benário Prestes a Gestapo nazista em 1936. Olga era a companheira de Luís
Carlos Prestes e estava grávida de uma menina (Anita Leocádia Prestes). Foram
ambos presos em face do levante comunista, fracassado, que foi chamado de
Intentona Comunista ocorrido em 1935. Olga foi expulsa, mas preferia ser
julgada e presa no Brasil, pois levava no seu ventre uma criança brasileira. O
advogado Hermes Lima entrou com um habeas corpus no Supremo que entre outros
argumentos, alegava: “Se a lei considera na
gestante duas pessoas distintas, a mãe e o nascituro; se a Constituição estatui
que nenhuma pena passará da pessoa o delinqüente […] – se a expulsão é uma
pena; se tal pena alcançará em seus efeitos o filho da expulsanda, embora ainda não nascido: segue-se que o
decreto de expulsão, além de ferir o preceito constitucional protetor da
maternidade, ofende ainda o principio da personalidade da pena. […] Olga
Prestes sustenta que o seu filho é brasileiro, foi concebido no Brasil, quer
nascer e viver no Brasil. Como brasileiro, tem o direito de não ser expulso
do Brasil“. (LIMA, Heitor. Petição inicial do HC 26.155/DF, STF, 1936).
O STF não foi sensível a esse e a outros argumentos
e se consumou a expulsão e entrega aos nazistas de Olga Benário Prestes. “Ela
foi assassinada no Centro
de Eutanásia de Bernburg, onde morreu numa câmara de gás em 23 de abril de 1942. A condenação de Olga à morte fora decretada em 1936, quando
o STF não conheceu o HC 26.155,
relatado por Bento de Faria. Desta história de lutas, dramas e violações,
restou sua filha Anita Leocádia Benário Prestes” (“A História do Direito entre Foices,
Martelos e Togas” (2008), de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Ver também “Olga”,
de Fernando Morais, que se transformou em filme, com o mesmo nome). Sobre esse
episódio, o poeta Aprígio doa Anjos, irmão do outro grande poeta paraibano
Augusto dos Anjos fez esse soneto:
"Neste foro de gênios insepultos,
Cheio de múmias e quadrupedantes,
Vejo pingüins passarem por gigantes
E analfabetos por jurisconsultos.
Acórdãos de sentidos claudicantes,
Na feitura de juízes semicultos
Criam formas bizarras e tumultos,
Que escapa à perícia de Cervantes.
A balança da lei não tem mais pratos,
Desde de que sucumbiu Poncius Pilatos,
Desgraçou-se a justiça de uma vez.
Ele ao menos conforme a bíblia ensina
Lavava as mãos escuras com benzina,
Coisa que Hermenegildo
nunca fez! "
Hermenegildo Rodrigues
de Barros, ocupou o STF de 1919 a 1937. Foi um dos votos a favor da
extradição de Olga Benário Prestes, quando o STF era presidido pelo Ministro
Edmundo Lins.
O segundo episódio lastimável foi a cassação
do registro do Partido Comunista do Brasil – PCB em 1948. O argumento era de que o partido seria uma organização internacional
comandada por Moscou e que insuflava a desordem no País. “Em 7 de outubro de 1947, o
Tribunal Superior Eleitoral, sob a presidência do ministro Antonio Carlos
Lafayette de Andrada, cassou definitivamente o registro do PCB novamente pelo
quórum de três a dois, com os votos vencidos dos ministros Ribeiro da Costa e
Sá Filho, que longamente justificaram sua posição. Votaram pela cassação os
ministros José Antônio Nogueira (relator), Francisco de Paula Rocha Lagôa e
Candido Lôbo.” (Kaufmann,
Rodrigo de Oliveira. Memória jurisprudencial : Ministro Ribeiro da Costa - Brasília : Supremo Tribunal Federal, 2012.
)
O voto do Ministro Álvaro Ribeiro da Costa, foi
brilhante, embora não tenha convencido a maioria de seus colegas. Eis um
pequeno trecho: “Constitui erro, senão estultice, supor que os juízes decidem jogando
com raciocínios glaciais; assim o sustentar, numa questão desse vulto, a
irrelevância do problema político, que lhe é intrínseco, devendo apenas ater-se
à aplicação pura e simples do preceito constitucional aos motivos alegados na
denúncia” (KAUFMANN, 2012)
Diria ainda Kaufmann: “o Ministro Ribeiro Costa
demonstrou maturidade no trato da noção de democracia em período de curta
estabilidade constitucional. Sua ideia de democracia é moderna até para os
padrões discursivos de hoje, especialmente quando realça a responsabilidade dos
homens públicos e condena o exercício de arbitrariedade judicialista que
facilmente hoje receberia o nome pomposo e pseudolegitimador de ativismo judicial”.
O desfecho do processo é o descrito por KAUFMANN,
2012: ´Em sessão plenária realizada em 28 de maio de 1947, no julgamento do
HC 29.76, o Supremo Tribunal Federal viria a confirmar a decisão do Tribunal
Superior Eleitoral que rejeitou o habeas corpus dos dirigentes do PCB. O
ministro Ribeiro da Costa, assim como o ministro Lafayette de Andrada,
declarou-se impedido, por ter atuado como juiz do Tribunal Superior Eleitoral,
proferindo, inclusive, voto contrário ao cancelamento do registro do Partido
Comunista. Em 14 de abril de 1948, o Supremo Tribunal Federal ainda julgou o RE
12.369, com a relatoria do ministro Laudo de Camargo, interposto contra a
decisão do Tribunal Superior Eleitoral, entendendo pelo não conhecimento do
recurso, por unanimidade dos ministros votantes.”
Estava consumada a cassação do PCB e dos seus
parlamentares no Congresso, entre eles Prestes, Gregório Bezerra, João Amazonas
e Jorge Amado, para ficar nos mais famosos.
O 3º julgamento que o Supremo
tergiversou com a democracia foi quando julgou, recentemente, a ação ajuizada
pelo Conselho Federal da OAB em face do STF, a ADPF 153. Estava em pauta
decidir pela constitucionalidade da lei brasileira de anistia, que se aplicou
tanto às vitimas do regime ditatorial militar quanto aos seus algozes. O STF
produziu uma decisão injusta - ainda que legal – quando anistiou, de forma
definitiva, os torturadores. O Brasil é o único país das ditaduras do cone sul
dos anos 70 (Argentina, Chile e Uruguai), que deixou impunes seus torturadores.
Aqui eles envelhecem e morrem tranquilamente de morte natural. Um escárnio!
A última infâmia praticada pelo
Supremo foi essa agora de 04 de abril de 2018, quando denegaram o HC interposto pelos advogados do Presidente Lula.
Está caracterizado o golpe, “com supremo e tudo” do profeta Jucá. Mas, ainda há
juízes em Brasilia, e quem acompanhou como eu as quase 12 horas de julgamento
nessa 4ª feira, sentiu um alento com os 3 últimos votos de Lewandowski, Marco
Aurélio e do decano Celso de Melo. Foram aulas de respeito a Constituição. O
voto que mais me impressionou foi o de Lewandowski, que iniciou a defesa de seu voto com a seguinte
fala: “Hoje é um dia paradigmático para a
história desta Suprema Corte. É um dia em que esta Suprema Corte colocou o
sagrado direito à liberdade em um patamar inferior ao direito de propriedade”.
E ainda colocou o questionamento: “É possível restituir a liberdade de alguém
se houver reforma da sentença condenatória no STJ ou STF com juros e correção
monetária? Não. A vida e a liberdade não se repõe jamais”.
Estamos num Estado
de Exceção, sem garantias individuais e coletivas. Só nos restará resistir ao
golpe nas ruas e, quando for instaurado o novo AI-5 e a cassação de registro do
nosso partido – o partido dos trabalhadores - cair na clandestinidade e/ou se
auto-exilar em algum país aqui da fronteira.
Entretanto, tenho esperanças, a exemplo do moleiro
de Sans Souci em Potsdam, no episódio que relata a disputa do Rei Frederico II
da Prússia, que queria se apossar das terras do moleiro para fazer um
“puxadinho” no seu castelo e encontra forte resistência por parte deste. Tal
disputa expressa o sentimento de justiça que ainda acalenta a nossa luta. Eis o
desfecho dessa história: “Inconformado, disse o
rei ao moleiro: ─ Você bem sabe que, mesmo que não me venda a terra, eu, como
rei, poderia tomá-la sem nada lhe pagar. Mas o moleiro retrucou com a célebre
frase: O senhor! Tomar-me o moinho? Só se não houvesse juízes em Berlim. E o
rei não fez o seu “puxadinho”.
Também espero que ainda haja JUÍZES em Brasília!
*Marcos Inácio Fernandes é presidente do Diretório
Municipal do PT em Rio Branco.