domingo, 14 de agosto de 2022

MEU PAI

 

MEU PAI - INÁCIO FERNANDES DESIDÉRIO

 (02/02/1925 – 29/07/1987)

Falar do meu pai é muito fácil. Essa facilidade resulta de uma convivência afetiva que tive com ele por muitas décadas. Nós nos queríamos bem. Eu, como filho primogênito, recebi dele um tratamento especial, que a minha mãe questionava, pois o xodó dela era o meu irmão Carlos, que já subiu. Eu apanhava de minha mãe “por pouco mais ou nada” e também porque aprontava muito quando criança. Eu lembro que sempre dizia: “amanhã eu não apanho que papai está em casa” e isso era motivo de mais peia. Meu pai era taifeiro da Aeronáutica e trabalhava um dia e folgava outro e, no seu dia de folga, ele me protegia das surras. Ele, raramente, batia na gente, mas quando fazia era com o fio do ferro ou com o cinturão da farda que tinha uns ilhoses. Doía pra danado!!

Ele, foi o meu primeiro professor. Com paciência e carinho me ensinou o alfabeto e as “operações de conta” e ao longo da nossa convivência aprendi o “ABC grande” da escola da vida. Aprendi os valores da tolerância e do respeito as diferenças, da solidariedade, da honestidade e dos demais valores humanistas.

Em síntese, meu pai um homem semi-alfabetizado (pouco escrevia mas lia muito) enveredou, a mim e meus irmão, pelo bom caminho. Nós nos tornamos cidadãos de bem e do bem. Foi sua herança.

 Certa vez, folheando uma revista, encontrei o poema que transcrevo abaixo. Eu vejo meu pai nesse poema. É a imagem de UM HOMEM BOM, que carrego na mente e no coração.


Poema do Homem Bom

Roberto César Marques Lucena

Para que serve um homem bom?

Um homem bom não serve para muita coisa

A não ser para ser bom.

Esse negócio de homem bom

Tornou-se com o tempo

Um objeto obsoleto

Abandonado,

Extremamente velho e ridículo

Totalmente dispensável

À sociedade.

Para que serve um homem bom?

Ninguém sabe

Eu acho que prá nada

Para ser bom.

Um homem bom nunca será um bom bispo

Um bom encanador

Um bom presidente

Um bancário bom

Ou um bom governador.

Não saberá se sair bem na vida

Fugir as situações

Tomar besteiras e whisky em grupos

Paquerar

Mentir ou adular

Em suma viver o que é hoje.

Prá que serve um homem bom?

Acho que para nada

Acho que para ser bom.

Um homem bom nunca terá uma mulher boa

Ou uma boa mulher

Nunca terá os chamados amigos

E carregará no olhar cansado

Nos gestos tristes

Nas mãos vazias

A descaradez e a senvergonhice de ser bom.

Um homem bom não se sentirá

Bem

Em sua casa

Nem na rua

Na sua

Ou na lua.

A cada negação

A cada dia

Morrerá mais e mais.

Um homem bom não serve mesmo para nada

Nem para ligar o botão da televisão.

Um homem bom

Já não lê jornais

Não vê televisão

E hoje é alguma coisa cansada

Com facilidades

Das facilidades.

Um homem bom já

Não fala

Já não pensa

Não tem opções

Não vota (não acha em quem)

 

O que faz a gente voltar à rotina

E perguntar de novo:

Para que serve...

Um homem bom é negação à vida

Uma companhia extremamente fastidiosa

Incompreensiva e chata.

Um homem bom não serve

 para ser guia de cego

para leiteiro,

pipoqueiro ou bicha.

Não tem aquele requinte da mentira

Aquela capa

Que esconde outra capa

Que esconde outra capa

Que esconde outra capa

E tantas capas

Como as caras

As idéias

E os desprincípios dos outros

Os homens

Virulentamente normais.

O homem bom

Sorri

Acredita

E fica nisso

Morto de doido

Morto de triste.

(Pinçado da revista Meio- Fio. 1971)

Marcos Inácio Fernandes – filho primogênito de seu Desidério e D. Lia.

Rio Branco (AC), 14 de agosto (dia dos pais) de 2022




 

 


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