PARANGABA – MEMÓRIAS DE UM COMBATENTE
(O TEMPO NÃO APAGOU SEU NOME)
O
nosso conhecido Cardoso, um dos heróis anônimos do povo brasileiro, nos
presenteia com o livro de suas memórias. Memórias de um combatente, que está na
luta desde os anos 60, no movimento estudantil do Ceará. No Liceu do Ceará
ganhou o apelido de PARANGABA, apelido em referência ao bairro em que morava e
que se tornou sinônimo de combatividade no movimento estudantil daquele Estado.
O
livro é robusto. Tem 350 páginas nas quais ele descreve, com detalhes, sua
trajetória e suas lutas na clandestinidade, por mais de 40 anos, sem que os órgãos
de informações da ditadura descobrissem que, CARLOS AUGUSTO LIM PAZ – o PARANGABA,
que havia sido indiciado pelo exército, tratava-se da mesma pessoa de MÁRIO
ÂNGELO, JOSÉ ROBERTO E RAIMUNDO CARDOSO, identidades que utilizou na sua
clandestinidade.
O
livro do Cardoso tem o Prefácio de José Genoíno, seu companheiro no PC
do B, PRC e no PT, a Apresentação da Ministra Marina Silva, também
companheira de militância política do Cardoso e eu me incorporei a esses ícones
da política brasileira, escrevendo o POSFÁCIO do livro, que compartilho nesse
blog. Confiram.
PS - Em breve será o lançamento do livro em Rio Branco. Em dezembro o livro será lançado em Fortaleza - CE, concomitante com o lançamento do livro de José Genoíno. Aguardem.
POSFÁCIO
PARANGABA:
UM “GAUCHE” NA VIDA
Por: Marcos
Inácio Fernandes
“Amigo meu
não tem defeitos. Inimigo, se não tiver, eu ponho.”
Carlos Imperial (1935 – 1992)
Carlos Augusto Lima Paz, desde que se entendeu por
gente foi ser “gauche” – de esquerda - na vida. Militou, desde a adolescência,
nos partidos de esquerda. O Partidão (PCB), no Partido Comunista do Brasil (PC do
B, uma dissidência do Partidão), no Partido Revolucionário Comunista – PRC,
outra dissidência do PC do B, após a guerrilha do Araguaia e, finalmente, no Partido
dos Trabalhadores – PT. No início dos anos 80 ele fazia a dupla militância
PT/PRC, ainda muito cioso da sua clandestinidade. Uma clandestinidade que se
prolongou por mais de 40 anos, percorrendo o Brasil profundo, adotando diversas
identidades (Mário Ângelo, José Mário e Raimundo Cardoso) artifício que adotou para
sobreviver aos anos de chumbo.
Cardoso é um sobrevivente. Como disse os seus colegas
e amigos do INCRA. “ele é um dos heróis anônimos do povo brasileiro”. Agora, já
octogenário, de “meio dia prá tarde”, ainda está lúcido, com saúde, e nos
brinda compartilhando as suas memórias. Aqui faço um parêntesis para ressaltar,
que a sorte bafejou alguns dos revolucionários do Brasil, que dedicaram os
melhores anos de suas vidas na luta pelo povo brasileiro. Eles foram presos,
torturados, exilados, banidos da vida pública, execrados pela difamação fascista,
mas, em que pese, todos esses infortúnios morreram com idade avançada.
Refiro-me a Luís Carlos Prestes (PCB), Apolônio de Carvalho PCBR) e João
Amazonas (PC do B). E o nosso Cardoso está aí, vivinho da silva, semi-novo,
contando a sua história.
Conheço o Cardoso desde os anos 80, e falar dele e,
de bem, é muito fácil. A nossa amizade foi forjada no trabalho que
desenvolvemos na Comissão Estadual de Planejamento Agrícola (CEPA) e,
posteriormente, no Núcleo de Associativismo da EMATER/AC. Na Comissão, éramos
chamados “os comunistas da CEPA”, embora, apenas eu e o Cardoso, tenhamos tido
uma militância nos partidos comunistas. Posso afirmar que o Cardoso é um homem
vertical, de bem com a vida, extrovertido, comunicativo e bem humorado. Apesar
de todos os dissabores que passou e as injustiças que sofreu, não se tornou uma
pessoa amargurada.
Eu que tive o privilégio de ter convivido mais de
perto com ele, não sabia “da missa a metade” da sua trajetória na
clandestinidade. Como na música que o Jackson do Pandeiro canta, ele só não foi
“Guia de cego”. Mas, foi peão em fazenda de cacau, mascate, agrimensor,
laboratorista, enfermeiro instrumentista (auxiliar do Dr. Ivaldo Maia e Marcus
Barros), ajudando a fazer cesarianas, transfusão de sangue, costurar pacientes
sem anestesia e, mesmo trabalhando em condições precárias, ajudou a salvar
muita gente. Também teve uma participação decisiva na construção de um hospital
no município de Pavão em Minas Gerais.
Por onde ele andou “casou e batizou”, como se diz.
Ele não casou ninguém, nem tampouco se casou, mas batizou criança enferma no
Juruá para o “anjo não morrer pagão” e apadrinhou muita gente, alguns que nem
chegou a conhecer. Apesar de possuir uma personalidade expansiva e comunicativa
e, talvez por ter introjetado a
clandestinidade na sua vida, ele nunca falou das suas relações familiares e afetivas. Sei que teve muitas namoradas e
conheci apenas uma delas – a Desembargadora Salete Maia – de uma família tradicional
de Tarauacá e muito conhecida em Rio Branco. Lembro que nos anos 90, não dei
precisar a data, fizemos juntos, uma viagem de carro para Guajará-Mirim e
Guayará-Mirim, cidade vizinha na Bolívia, onde existe uma Zona Franca.
Lendo agora os seus escritos, mais especificamente, a
entrevista que ele deu ao jornal O GLOBO logo após ter readquirido a sua
cidadania e seu nome original, em 2007, fiquei sabendo que ele é pai de duas
filhas, Maira e Marajara, que moram em Manaus e receberam o sobrenome FREITAS,
ainda da identidade clandestina.
Por último cumpre constatar que o CARDOSO é uma
pessoa iluminada. Um bem-aventurado, que continua com “fome e sede justiça”. Ademais,
a sorte o bafejou. Preso algumas vezes, apenas sofreu tortura psicológica.
Escapou dos choques e do pau-de-arara e não foi escalado para combater no
Araguaia, onde muitos dos seus companheiros do PC do B, tombaram. O Carlos
Augusto é um ateu que vai direto pro céu. (“Se existe um céu para quem
chora / um céu para as mágoas de quem sofreu tanto” como no soneto de Antero de
Quental) Ele nem passa pelo Purgatório, pois já pagou os seus pecados aqui na
terra e praticou e viveu o evangelho. Como assinala Mateus: "E
todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos ou
terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes tanto e herdará a vida
eterna." (Mateus, capítulo 19,
versículo 29.) Cumpra-se a palavra.
As
memórias do Cardoso, relatadas nesse livro na 1ª pessoa, me emocionou em muitas
passagens. Ademais, a leitura também me fez refletir, sobre a necessidade da
luta permanente, “sem perder a ternura, jamais” como ensinou Guevara. Quero
crer, que as pessoas, com um mínimo de sensibilidade, também vão se embevecer e
se emocionar com o livro. “PARANGABA”, mais que um livro, é o testemunho
eloquente que lutar é o destino, inexorável, dos humanistas e das pessoas de
esquerda, que nasceram para ser “gauche” na vida.
A leitura
nos remete para uma crença nos milagres, que só a política proporciona e
consolida a nossa convicção de que o Brasil tem jeito e vai mudar, porque seus
filhos, como o Parangaba, não fogem à luta.