quarta-feira, 7 de agosto de 2024

PARANGABA – MMÓRIAS DE UM COMBATENTE (O TEMPO NÃO APAGOU SEU NOME)

 



PARANGABA – MEMÓRIAS DE UM COMBATENTE

(O TEMPO NÃO APAGOU SEU NOME)



O nosso conhecido Cardoso, um dos heróis anônimos do povo brasileiro, nos presenteia com o livro de suas memórias. Memórias de um combatente, que está na luta desde os anos 60, no movimento estudantil do Ceará. No Liceu do Ceará ganhou o apelido de PARANGABA, apelido em referência ao bairro em que morava e que se tornou sinônimo de combatividade no movimento estudantil daquele Estado.

O livro é robusto. Tem 350 páginas nas quais ele descreve, com detalhes, sua trajetória e suas lutas na clandestinidade, por mais de 40 anos, sem que os órgãos de informações da ditadura descobrissem que, CARLOS AUGUSTO LIM PAZ – o PARANGABA, que havia sido indiciado pelo exército, tratava-se da mesma pessoa de MÁRIO ÂNGELO, JOSÉ ROBERTO E RAIMUNDO CARDOSO, identidades que utilizou na sua clandestinidade.

O livro do Cardoso tem o Prefácio de José Genoíno, seu companheiro no PC do B, PRC e no PT, a Apresentação da Ministra Marina Silva, também companheira de militância política do Cardoso e eu me incorporei a esses ícones da política brasileira, escrevendo o POSFÁCIO do livro, que compartilho nesse blog. Confiram.

PS -  Em breve será o lançamento do livro em Rio Branco. Em dezembro o livro será lançado em Fortaleza - CE, concomitante com o lançamento do livro de José Genoíno. Aguardem.

 

POSFÁCIO

PARANGABA: UM “GAUCHE” NA VIDA

Por: Marcos Inácio Fernandes

“Amigo meu não tem defeitos. Inimigo, se não tiver, eu ponho.”

   Carlos Imperial (1935 – 1992)

Carlos Augusto Lima Paz, desde que se entendeu por gente foi ser “gauche” – de esquerda - na vida. Militou, desde a adolescência, nos partidos de esquerda. O Partidão (PCB), no Partido Comunista do Brasil (PC do B, uma dissidência do Partidão), no Partido Revolucionário Comunista – PRC, outra dissidência do PC do B, após a guerrilha do Araguaia e, finalmente, no Partido dos Trabalhadores – PT. No início dos anos 80 ele fazia a dupla militância PT/PRC, ainda muito cioso da sua clandestinidade. Uma clandestinidade que se prolongou por mais de 40 anos, percorrendo o Brasil profundo, adotando diversas identidades (Mário Ângelo, José Mário e Raimundo Cardoso) artifício que adotou para sobreviver aos anos de chumbo.

Cardoso é um sobrevivente. Como disse os seus colegas e amigos do INCRA. “ele é um dos heróis anônimos do povo brasileiro”. Agora, já octogenário, de “meio dia prá tarde”, ainda está lúcido, com saúde, e nos brinda compartilhando as suas memórias. Aqui faço um parêntesis para ressaltar, que a sorte bafejou alguns dos revolucionários do Brasil, que dedicaram os melhores anos de suas vidas na luta pelo povo brasileiro. Eles foram presos, torturados, exilados, banidos da vida pública, execrados pela difamação fascista, mas, em que pese, todos esses infortúnios morreram com idade avançada. Refiro-me a Luís Carlos Prestes (PCB), Apolônio de Carvalho PCBR) e João Amazonas (PC do B). E o nosso Cardoso está aí, vivinho da silva, semi-novo, contando a sua história.

Conheço o Cardoso desde os anos 80, e falar dele e, de bem, é muito fácil. A nossa amizade foi forjada no trabalho que desenvolvemos na Comissão Estadual de Planejamento Agrícola (CEPA) e, posteriormente, no Núcleo de Associativismo da EMATER/AC. Na Comissão, éramos chamados “os comunistas da CEPA”, embora, apenas eu e o Cardoso, tenhamos tido uma militância nos partidos comunistas. Posso afirmar que o Cardoso é um homem vertical, de bem com a vida, extrovertido, comunicativo e bem humorado. Apesar de todos os dissabores que passou e as injustiças que sofreu, não se tornou uma pessoa amargurada.

Eu que tive o privilégio de ter convivido mais de perto com ele, não sabia “da missa a metade” da sua trajetória na clandestinidade. Como na música que o Jackson do Pandeiro canta, ele só não foi “Guia de cego”. Mas, foi peão em fazenda de cacau, mascate, agrimensor, laboratorista, enfermeiro instrumentista (auxiliar do Dr. Ivaldo Maia e Marcus Barros), ajudando a fazer cesarianas, transfusão de sangue, costurar pacientes sem anestesia e, mesmo trabalhando em condições precárias, ajudou a salvar muita gente. Também teve uma participação decisiva na construção de um hospital no município de Pavão em Minas Gerais.

Por onde ele andou “casou e batizou”, como se diz. Ele não casou ninguém, nem tampouco se casou, mas batizou criança enferma no Juruá para o “anjo não morrer pagão” e apadrinhou muita gente, alguns que nem chegou a conhecer. Apesar de possuir uma personalidade expansiva e comunicativa e, talvez  por ter introjetado a clandestinidade na sua vida, ele nunca falou das suas relações familiares  e afetivas. Sei que teve muitas namoradas e conheci apenas uma delas – a Desembargadora Salete Maia – de uma família tradicional de Tarauacá e muito conhecida em Rio Branco. Lembro que nos anos 90, não dei precisar a data, fizemos juntos, uma viagem de carro para Guajará-Mirim e Guayará-Mirim, cidade vizinha na Bolívia, onde existe uma Zona Franca.

Lendo agora os seus escritos, mais especificamente, a entrevista que ele deu ao jornal O GLOBO logo após ter readquirido a sua cidadania e seu nome original, em 2007, fiquei sabendo que ele é pai de duas filhas, Maira e Marajara, que moram em Manaus e receberam o sobrenome FREITAS, ainda da identidade clandestina.

Por último cumpre constatar que o CARDOSO é uma pessoa iluminada. Um bem-aventurado, que continua com “fome e sede justiça”. Ademais, a sorte o bafejou. Preso algumas vezes, apenas sofreu tortura psicológica. Escapou dos choques e do pau-de-arara e não foi escalado para combater no Araguaia, onde muitos dos seus companheiros do PC do B, tombaram. O Carlos Augusto é um ateu que vai direto pro céu. (“Se existe um céu para quem chora / um céu para as mágoas de quem sofreu tanto” como no soneto de Antero de Quental) Ele nem passa pelo Purgatório, pois já pagou os seus pecados aqui na terra e praticou e viveu o evangelho. Como assinala Mateus: "E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos ou terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes tanto e herdará a vida eterna."  (Mateus, capítulo 19, versículo 29.) Cumpra-se a palavra.

As memórias do Cardoso, relatadas nesse livro na 1ª pessoa, me emocionou em muitas passagens. Ademais, a leitura também me fez refletir, sobre a necessidade da luta permanente, “sem perder a ternura, jamais” como ensinou Guevara. Quero crer, que as pessoas, com um mínimo de sensibilidade, também vão se embevecer e se emocionar com o livro. “PARANGABA”, mais que um livro, é o testemunho eloquente que lutar é o destino, inexorável, dos humanistas e das pessoas de esquerda, que nasceram para ser “gauche” na vida.

A leitura nos remete para uma crença nos milagres, que só a política proporciona e consolida a nossa convicção de que o Brasil tem jeito e vai mudar, porque seus filhos, como o Parangaba, não fogem à luta.

 


3 comentários:

  1. Parabéns pelo excelente prefácio amigo professor Marcao! A história do Cardoso, companheiro que adotei como irmão no Acre ja os outros 6.irmãos estão longe. Mas um tipo de irmão de luta e de amizade de muito afeto e companheirismo. Em 2004 digitei grande parte de sua historia para um posterior livro porém o DISQUETE em que ficou salvo se perdeu com ontempo. Fico feliz com a notícia do livro

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  2. Um posfácio que concede a um transgressor e ateu uma vida eterna. Gostei!!! Também quero ir para o céu!

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