2016
Por:
Marcos Inácio Fernandes*
“Resta acima de
tudo
Essa capacidade de
ternura. (...)
Resta essa
faculdade incoercível de sonhar, de transfigurar a realidade.
Dentro dessa
incapacidade de aceitá-la tal como é (...)
Resta esse diálogo
cotidiano com a morte
Esse fascínio pelo
momento a vir
Quando emocionada
ela virá me abrir a porta, como uma velha amante
Sem saber que é a
minha mais nova namorada”
(O Haver de Vinicius de
Moraes)
Esse 2016, que está nos
seus estertores, foi um ano de perdas.
Perdemos o humor do
Shaolin, a voz do Cauby, a arte de Elke Maravilha e Domingos Montagner e, agora
no fim do ano, o time inteiro da Chapecoense e a poesia do Ferreira Gullar.
Ficamos mais tristes, mais
desafinados, mais pobres (nas artes e no bolso). Um saldo trágico.
Entretanto, mais doloroso
e mais trágico, que as perdas humanas foram as perdas institucionais.
A nossa Constituição
prestes a se tornar uma balzaquiana, uma “mulher de 30” foi estuprada nas
barbas do Supremo e ainda espalharam a notícia na mídia familiar. A pobrezinha
foi maculada e difamada por um golpe parlamentar/jurídico/midiático, que
apelidaram de impeachment.
Os nossos 54,5 milhões de
votos começaram a ser incinerados em abril (na Câmara) e acabaram de ser
pulverizados em agosto (no Senado) – um mês trágico na história dos golpes no
Brasil.
Dilma foi arrancada do
governo a fórceps pelos açougueiros/senadores da nossa frágil democracia. Uma
violência!
E as forças democráticas e
de esquerda não tiveram forças para defenderem a Constituição a democracia e o
governo eleito.
Enfim, o PMDBrecht, chega
ao poder na esteira da conspiração e da traição e começa a pagar a fatura aos
que detém realmente o poder no Brasil.
A PEC 241/55, já foi
aprovada em dois turnos, tanto na Câmara como no Senado. O rolo compressor dos
golpistas/Congressistas atuando sem nenhuma inibição, em que pese soterrados
por delações da Odebrecht, que atingem duas centenas de congressistas e do seu
próprio presidente, Renan Calheiros, ser réu no Supremo.
Vem agora um ataque mortal
a Previdência e a CLT e está cumprida a agenda do golpe. Resta saber se o
presidente usurpador, encalacrado até o pescoço em denuncias de corrupção, vai
ter condições de entregar a encomenda. Sempre é bom lembrar que, em 6 meses de
interinidade, já caíram 7 Ministros e assessores diretos, alguns do núcleo duro
do governo.
Já se articula o golpe
dentro do golpe com eleições indiretas, ano que entra, com esse Congresso com
lama até o pescoço. Os balões de ensaio com possíveis candidatos já foram
lançados. Tem o decano dos golpistas, FHC; o Nelson Jobim e, recentemente, a
Carmen Lucia, Presidente do STF, que foi lançada pelo Senador Cássio Cunha
Lima.
No mais, nos transformamos
na “República das Delações”. Os juízes, Promotores e Procuradores se transformaram
nos “tenentes” que tiveram um protagonismo político na Republica Velha. A política
foi judicializada e a justiça politizada. Duas tragédias que se combinam e que
atentam contra o Estado Democrático de Direito.
De quebra, uma derrota
acachapante nas urnas, do PT e das forças democráticas de esquerda. Aqui no
Acre escapamos e sobreviveremos.
Agora é esperar que
cometam a temeridade de prenderem Lula, sem provas, apenas com “convicções”
entre o Natal e o Ano Novo.
Seria apoteótico para
fechar o ano, que prá mim, já vai tarde e não deixará saudades. Ele foi um
transbordamento de tragédias, pessoais e coletivas.
Como disse o poeta
Drummond: “de tudo terrível, fica um
pouco / Oh abre os vidros de loção / E abafa o insuportável mau cheiro da
memória”.
Podem abafar a memória de
2016, mas não o esquecerei. Estou fazendo a memória do golpe. Os eventos, os
personagens, as instituições. Estão todos no meu caderno. Um dia acertaremos as
contas, mesmo que já não esteja mais aqui. Isso é irrelevante.
O insuportável mau cheiro
da memória não será abafado e a fragrância da verdade fará o deleite olfativo
dos que virão depois.
2017, veeennnhhhaaaa!!
*Marcos Inácio Fernandes,
é professor aposentado da UFAC e militante do PT.
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