sábado, 19 de agosto de 2017

SOBRE PERDAS











Uma Arte

"A arte de perder não é nenhum mistério

tantas coisas contém em si o acidente

de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,

a chave perdida, a hora gasta bestamente.

A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:

lugares, nomes, a escala subseqüente

da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero

lembrar a perda de três casas excelentes.

A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. Um império

que era meu, dois rios, e mais um continente.

Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

Mesmo perder você ( a voz, o ar etéreo, que eu amo)

não muda nada. Pois é evidente

que a arte de perder não chega a ser um mistério

por muito que pareça (escreve) muito sério."

(Elizabeth Bishop: tradução de Paulo Henriques Brito)


A norte-americana Elizabeth Bishop nasceu em Massachusetts, em 8 de fevereiro de 1911, e morreu 68 anos depois, em Boston. Em 1952, depois de uma viagem pela costa brasileira, Elizabeth encantou-se pelas montanhas de Petrópolis e lá permaneceu por longos quinze anos. Durante esse período, escreveu numerosos registros e poemas, como o transcrito acima. O filme Flores Raras retrata a passagem da poetisa pelo Rio e seu romance homoafetivo com a arquiteta Lota  de Macedo Soares. Um filme que merece ser visto. (MIF)


Um comentário:

  1. Existem perdas e perdas. Perda da esperança, perda de quem se ama, perda do pão de cada dia. Saber perder não considero uma arte, é um trabalho artesanal sem nenhuma beleza, mas que tem lá sua utilidade para a fisiologia humana.

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