Nesse 20 de novembro, celebra-se o DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, em homenagem a Zumbi dos Palmares. No Brasil a escravidão perdurou por 388 anos e deixou sequelas que, até o presente, são nocivas ao convívio civilizado num país pluri-racial. Para entender um pouco esse processo, compartilho dois textos, que considero extraordinários. Confiram!!(MIF)
RECORDAR É VIVER
No momento de partida para
embarcar nos navios negreiros, africanos escravizados eram obrigados a dar
várias voltas em torno do imenso Baobá, considerada a árvore do esquecimento,
deixando ali sua memória, crenças, origens e história, para assim serem batizados
com uma nova identidade cristão-ocidental e serem enviados à diversos países.
Os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil em meados do século 16. Os
negros trazidos da África foram destinados a trabalhos de acordo com as
encomendas e as especialidades em seus países de origem, como a agromanufatura
açucareira no Nordeste e à extração de metais preciosos em Minas Gerais.
BRASIL: DNA ÁFRICA
Brasil: Dna África é uma
iniciativa sensível e de extrema importância para o povo brasileiro no que se
refere ao resgate histórico e cultural necessário para construir ou reforçar as
heranças negras de cada pessoa. Para que um indivíduo crie sua própria
identidade é necessário que ele saiba de onde veio, que ele conheça suas
raízes. Que o projeto inspire e prolifere para que seja maior o número de
homens e mulheres negras conhecedores de sua ancestralidade.
A escravidão representou uma
ruptura para os cerca de 12,5 milhões de africanos trazidos à força para as
Américas entre os séculos XVI e XIX, 46% deles para o Brasil.
O desconhecimento sobre as
etnias ancestrais, locais de origem e a imposição de nomes católicos aos
africanos escravizados desconectaram África e Brasil. Os afro-brasileiros são,
ainda hoje, identificados como filhos e descendentes de escravos, quando, na
verdade, são filhos e descendentes de africanos.
A série Brasil: DNA África
se propõe a colaborar no processo de resgate da origem de parte dos brasileiros
ao contar a história de cinco cidadãos comuns que se submetem a um teste de DNA
e descobrem suas origens na África.
Selecionados entre 150
pessoas que fizeram o exame nos cinco estados que mais receberam africanos
escravizados (Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão, Minas Gerais e Pernambuco), o
baiano Zulu Araújo, a carioca Juliana Luna, o maranhense Raimundo Garrone, o
mineiro Sérgio Pererê e o pernambucano Levi Lima embarcam numa jornada de
autoconhecimento ao visitar os cinco países africanos de onde seus antepassados
foram trazidos como escravos para o Brasil.
Ao longo de 10 semanas de
filmagens em cinco estados brasileiros e cinco países africanos, a equipe do
Brasil: DNA África registrou a emoção dos personagens ao encontrarem africanos
de suas etnias.
Zulu saiu de Salvador para
uma pequena comunidade tikar no interior da República do Cameroun. Do Rio de
Janeiro para Lagos e Ilê Ifé, Juliana cruzou o Portão do Não Retorno, o portal
que os iorubanos capturados na Nigéria atravessavam antes de serem embarcados
para as Américas.
Em Bissau, Raimundo
vivenciou as dificuldades que os conterrâneos da Guiné-Bissau ainda enfrentam
depois de séculos de colonização portuguesa. O músico Pererê identificou em
Angola a musicalidade do povo Mbundu em seu trabalho artístico. Em Moçambique,
Levi se reconectou ao passado ao encontrar os makuas no norte do país.
O Preconceito Naturalizado
Quando expressões como
“mulata” ou “a coisa tá preta” se tornam naturais, é indício do quanto a
opressão e o preconceito estão incorporados à visão de mundo das pessoas.
Mais de 300 anos de passado
escravista não se apagam facilmente. Sinal disso é a extensa lista de
expressões das quais as pessoas nem percebem a conotação racista. São tantas
que, em 2009, o professor de biologia Luiz Henrique Rosa fez um levantamento no
Rio de Janeiro. Junto com seus alunos, contabilizou 360 termos de cunho
racista, no projeto “Qual é a graça”. Isso só na escola em que ele leciona.
Palavras dizem muito sobre a
história e a cultura de uma sociedade. Quando expressões como “mulata” ou “a
coisa tá preta” se tornam naturais, é indício do quanto a opressão e o
preconceito estão incorporados à visão de mundo das pessoas. Entre sutilezas,
brincadeiras e aparentes elogios, a violência simbólica se amplia quando
expressões como estas são repetidas:
“Cor de pele”
Aprende-se desde criança que
“cor de pele” é aquele lápis meio rosado, meio bege. Mas é evidente que o tom
não representa a pele de todas as pessoas, principalmente em um país como o
Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de
2014, realizada pelo IBGE, 53% dos brasileiros se declararam pardos ou negros.
“Doméstica”
Negros eram tratados como
animais rebeldes e que precisavam de “corretivos”, para serem “domesticados”.
“Estampa étnica”
Estampa parece ser, no mundo
da moda, apenas aquela criada pelo olhar eurocêntrico. Quando o desenho vem da
África ou de outra parte do mundo considerada “exótica” segundo essa visão,
torna-se “étnica”.
“A dar com pau”
Expressão originada nos
navios negreiros. Muitos dos capturados preferiam morrer a serem escravizados e
faziam greve de fome na travessia entre o continente africano e o Brasil. Para
obrigá-los a se alimentar, um “pau de comer” foi criado para jogar angu, sopa e
outras comidas pela boca.
“Meia tigela”
Os negros que trabalhavam à
força nas minas de ouro nem sempre conseguiam alcançar suas “metas”. Quando
isso acontecia, recebiam como punição apenas metade da tigela de comida e
ganhavam o apelido de “meia tigela”, que hoje significa algo sem valor e
medíocre.
“Mulata”
Na língua espanhola,
referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento
com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz “mulata tipo
exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. A palavra
remete à ideia de sedução, sensualidade.
“Cor do pecado”
Utilizada como elogio, se
associa ao imaginário da mulher negra sensualizada. A ideia de pecado também é
ainda mais negativa em uma sociedade pautada na religião, como a brasileira.
“Samba do crioulo doido”
Título do samba que
satirizava o ensino de História do Brasil nas escolas do país nos tempos da
ditadura, composto por Sérgio Porto (ele assinava com o pseudônimo de
Stanislaw Ponte Preta). No entanto, a expressão debochada, que significa confusão
ou trapalhada, reafirma um estereótipo e a discriminação aos negros.
“Ter um pé na cozinha”
Forma racista de falar de
uma pessoa com origem negra. Infeliz recordação do período da escravidão em que
o único lugar permitido às mulheres negras era a cozinha da casa grande. Uma
realidade ainda longe de mudar no Brasil.
“Moreno(a)”
Racistas acreditam que
chamar alguém de negro é ofensivo. Falar de outra forma, como “morena” ou
“mulata”, embranquecendo a pessoa, “amenizaria” o “incômodo”.
“Negro(a) de traços finos”
A mesma lógica do
clareamento se aplica à “beleza exótica”, tratando o que está fora da estética
branca e europeia como incomum.
“Cabelo ruim”
Fios “rebeldes”, “cabelo
duro”, “carapinha”, “mafuá”, “piaçava” e outros tantos derivados depreciam o
cabelo afro. Por vários séculos, causaram a negação do próprio corpo e a baixa
autoestima entre as mulheres negras sem o “desejado” cabelo liso. Nem é preciso
dizer o quanto as indústrias de cosméticos, muitas originárias de países
europeus, se beneficiaram do padrão de beleza que excluía os negros.
“Não sou tuas negas”
A mulher negra como
“qualquer uma” ou “de todo mundo” indica a forma como a sociedade a percebe:
alguém com quem se pode fazer tudo. Escravas negras eram literalmente
propriedade dos homens brancos e utilizadas para satisfazer desejos sexuais, em
um tempo no qual assédios e estupros eram ainda mais recorrentes. Portanto,
além de profundamente racista, o termo é carregado de machismo.
“Denegrir”
Sinônimo de difamar, possui
na raiz o significado de “tornar negro”, como algo maldoso e ofensivo,
“manchando” uma reputação antes “limpa”.
“A coisa tá preta”
A fala racista se reflete na
associação entre “preto” e uma situação desconfortável, desagradável, difícil,
perigosa.
“Serviço de preto”
Mais uma vez a palavra preto
aparece como algo ruim. Desta vez, representa uma tarefa malfeita, realizada de
forma errada, em uma associação racista ao trabalho que seria realizado pelo
negro.
Existem ainda aquelas
expressões que são utilizadas com tanta naturalidade que muita gente sequer
percebe a conotação negativa que tem para o negro. Por exemplo:
“Mercado negro”, “magia
negra”, “lista negra” e “ovelha negra”
Entre outras inúmeras
expressões em que a palavra ‘negro’ representa algo pejorativo, prejudicial,
ilegal.
“Inveja branca”
A ideia do branco como algo
positivo é impregnada na expressão que reforça, ao mesmo tempo, a associação
entre preto e comportamentos negativos.
O Negro na História (Memória Fotográfica):
Nenhum comentário:
Postar um comentário