Há 45 anos passados Silton - o "Gameleira" foi assassinado, sob tortura. nos calabouços da ditadura militar implantada no país em 1964.
Presto um tributo à sua memória para que essas infâmias não mais se repitam. Hoje Silton é nome de rua no bairro Paciência da zona oeste do Rio de Janeiro.
Faço um breve relato histórico de quem foi Silton e uma crônica de como o conheci.
JOSÉ SILTON PINHEIRO (31/05/1948 – 29/12/1972)
Militante
do PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO REVOLUCIONÁRIO (PCBR). Nasceu em 31 de maio de
1948, no Rio Grande do Norte, [...] Rapaz cheio de alegria, senso de humor e
com enorme facilidade de fazer amigos, tinha especial carinho pelas crianças.
Também se caracterizou pela grande força de vontade para atingir os objetivos a
que se propunha.
Em 1970, ingressou na Universidade do Rio
Grande do Norte, no curso de Pedagogia. Meste mesmo ano passou a militar no PCBR,
atuante em Natal, Recife e por fim, na cidade do Rio de Janeiro. Foi morto aos
24 anos de idade no Rio de Janeiro, junto com Fernando Augusto Valente da
Fonseca, Getúlio d’Oliveira Cabral e José Bartolomeu Rodrigues de Souza. Foi
carbonizado dentro de um Wolkswagen, na Rua Grajaú, nº 321 (RJ), após ter sido
preso e torturado pelo DOI-CODI/RJ, “teatrinho” feito pela repressão para
justificar a versão de morte em tiroteio ao reagir à prisão.
O corpo de José Silton entrou no IML/RJ como
desconhecido, em 30 de dezembro de 1972, com a guia nº12 do DOPS. Na certidão
de óbito [...] é dado como desconhecido, assinando como declarante José
Severino Teixeira e firmada pelo Dr. Roberto Blanco dos Santos. No verso de seu
óbito há a seguinte frase manuscrita: “Inimigo da Pátria (Terrorista)”. Foi
enterrado em 06 de fevereiro de 1973, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque
(RJ), na cova nº 22.706, quadra 21.
Em 20 de março de 1978, seus restos mortais
foram transferidos para o ossário geral e, em 1980/1981, foram para uma vala
clandestina, junto com cerca de 2.000 ossadas de indigentes. Há ainda laudo
[...] e fotos de perícia do local [...] encontrados no Instituto Criminal
Carlos Éboli/RJ. As fotos mostram o corpo de José Silton totalmente
carbonizado, dentro do Wolkswagen incendiado, placa GB/EB-3890.
Ao amigo que me indicou o bom caminho, minha gratidão eterna!
Tributo à José Silton Pinheiro.
Por: Marcos Inácio Fernandes.
Conheci o Silton jogando
bola. No final dos anos 60 e início dos 70, eu era um meio de campo que jogava
até razoável e vivia batendo bola pelo interior. Durante algum tempo joguei pelo time do sítio de Japecanga, perto
da minha cidade, Parnamirim. Era nesse sítio que morava o pai do Silton, seu
Milton, e ele sempre estava lá nos finais de semana e também participava do
jogo.
Na primeira vez, que estive em Japecanga, o que me chamou
atenção foi o fato de um rapaz daquelas brenhas está assobiando músicas do Edu
Lobo e Geraldo Vandré. Era o Silton. Após esse primeiro jogo, retornamos no
caminhão do time de Natal e entabulamos conversa sobre as músicas que ele
estava cantarolando. Informei-lhe que eu gostava da MPB e que escutava os
programas de rádio de Irapuã Rocha, na Rádio Rural, e o de Rubens Lemos, na
rádio Cabugi. O prefixo do programa do Rubens Lemos, dizia “Acorda samba do
Brasil....” Fiquei sabendo que ele ia
fazer vestibular para Educação, que havia concluído o 2º grau no colégio
Marista de Natal, que era do movimento estudantil e que havia sido criado por
D. Lira, sua mãe adotiva. Na oportunidade lhe informei que também era
secundarista e que estava pensando fazer Sociologia e ele, com o seu jeito
expansivo e alegre, fez a uma festa e me deu a maior força.
Desde então, ficamos amigos e freqüentávamos a casa um do
outro. Continuamos a jogar no time de Japecanga, passamos no vestibular para as
nossas áreas e a amizade evoluiu para um companheirismo partidário. Através do
Silton eu pude enveredar pela trilha revolucionária que os jovens acalentam e
acabei sendo “recrutado” para militar na FREP (Frente Revolucionária Popular),
uma frente capitaneada pelo PCBR.
A minha militância “revolucionária” se restringiu a
algumas leituras de textos clássicos da literatura socialista: O Manifesto
Comunista, Esquerdismo: a Doença infantil do Comunismo, O Estado e a Revolução
e romances do Jorge Amado: Subterrâneos da Liberdade, poesias de Brechet e
Castro Alves e por aí. Através do Silton, tomei conhecimento do trabalho de
Geanfrancesco Guarnieri, “Arena Canta Zumbi” e de “Liberdade, Liberdade” de
Flávio Rangel e Millôr Fernandes. Esse trabalho teatral sobre a Liberdade já
estava censurado, mas o Silton, ainda conseguiu comprar um LP e me presenteou.
Guardo esse presente até hoje. Agora,
recentemente, já no século XXI, consegui
esse trabalho em CD na coletânea das
duas coleções da Nara Leão, que na época participava do elenco da peça.
As minhas
ações “revolucionárias” se restringiram a duas panfletagens. Uma no cine
Nordeste (jogar uns panfletos na parte de cima do cinema durante a projeção) e
a outra dentro de um ônibus de linha que transportava trabalhadores nas
primeiras horas da manhã de um bairro de Natal que eu não sabia qual era (tinha
ido dormir no aparelho e de lá para o local da atividade, sempre de olhos
vendados).
Na primeira semana de faculdade, na Fundação José Augusto, que oferecia os cursos de
Sociologia e Jornalismo, recebi uma tarefa de me articular com Izolda, que
também havia sido aprovada no curso, para formarmos uma célula de esquerda na
faculdade. Mantivemos os primeiros contatos, mas, logo em seguida, (acho que
com menos de 15 dias de curso), a Izolda foi presa quando soltava uns panfletos
na fábrica de confecções Guararapes, na hora da saída das operárias. Izolda foi
incursa na Lei de Segurança Nacional e pegou 2 anos de detenção, que cumpriu na
Penitenciária João Chaves.
Fui com o Silton visitá-la algumas vezes e esse
infortúnio proporcionou um romance/namoro entre Silton e Izolda e foi lá que
conheci a Eró, irmã de criação da Izolda, com quem mais tarde me casei e vivo
até hoje. A possibilidade de ter conhecido essas pessoas (Silton, Izolda, Eró)
foi a grande dádiva que o projeto ingênuo, mas generoso, da esquerda me
presenteou e me moldou como se humano (também ingênuo mas, da mesma forma,
generoso).
Ainda através do Silton, conheci Paulo Pontes, que esteve
na minha casa participando de uma discussão com uma freira (não lembro mais o
nome) e o nosso clube de jovens da Cohabinal do qual participava Graça de
D.Bena, Lauro (já falecido) e Duzinho (ainda morando em Parnamirim). Depois da
reunião com a irmã, fizemos uma discussão política, na qual, o Paulo Pontes disse
que a alternativa no Brasil era “partir para luta armada”.
Eles partiram (Silton e Paulo) e pagaram caro por essa
opção. Silton, com a vida, tirada da forma mais ignominiosa – a tortura. Paulo
Pontes, foi preso na Bahia, junto com Teodomiro dos Santos, mas ambos
sobreviveram a tortura (sabe Deus com quais seqüelas). Tempos depois, em 1983,
quando já morava no Acre, casado e com dois filhos (Ana e Abelardo) fui fazer
um curso sobre Desenvolvimento Rural em Salvador e me reencontrei, nesse curso,
com o Paulo Pontes. Ele havia feito o curso de Economia, que iniciou quando
ainda estava preso. Depois de anistiado, concluiu o curso e trabalhava na
CAR-BA. Reencontrei-o, bem mais velho e calvo, porém, vivo.
Silton foi para a clandestinidade e morreu por seus ideais. Izolda, depois de cumprir sua pena, se
auto-exilou no Peru e por lá casou e teve dois filhos, Jussara e Ernesto, ambos
já formados, trabalhando e com filhos. Eu, que pretendia também entrar para a
clandestinidade, fui preso em função de uma carta que havia enviado para Silton
falando dessa minha pretensão. Na ocasião,
o Silton já havia sido assassinado e a carta foi interceptada. Na noite de 10 de abril de
1973, ao retornar da Faculdade, quando estava chegando em casa, um jipe com
dois policiais civis do DOPS, me levaram preso e me deixaram numa delegacia da
Cidade da Esperança e depois fui para um depoimento no QG do Exército (hoje
Museu Câmara Cascudo) e depois fui levado para a Polícia Federal.
Amarguei alguns dias na Polícia Federal, onde, logo que
cheguei, levei uns sopapos de um policial, que chamavam de “Chinoca”. Depois me encapusaram e algemaram e colocaram
no piso do banco traseiro de uma Veraneio, com dois agentes com os pés no meu
peito e me levaram para um local que desconheço. Nesse local
passei por uma sessão de tortura, que se restringiu a telefones nos
ouvidos, chutes e pancadas pelo tórax por algumas horas, além da tortura
psicológica com ameaças de morte, de me enviar para o Doi-Codi do Recife (ali
eu ia ver o que era bom, diziam). Quando retornaram comigo para a Polícia
Federal, já era noite. Estava arquejando com o corpo todo dolorido e o ouvido
sangrava. Na ocasião um agente da PF foi comprar uma cerveja preta e me deu prá
tomar. Foi um regalo. Fiquei alguns dias na PF algemado a uma cama de campanha
e incomunicável. Apenas recebi a
“visita” do tenente Albernáz do serviço de informação da Aeronáutica, que
voltou a me fazer ameaças e falar mal dos comunistas, inclusive citando
Prestes.
Depois de prestar vários depoimentos, fui processado pela
Lei de Segurança Nacional e transferido para a Colônia Penal João Chaves. Nunca
fiquei tão feliz em ir para um estabelecimento penal pois, o meu receio e o meu
pavor, era que me levassem para o Dói-Codi do Recife, como viviam me ameaçando.
Gameleira - PRESENTE!!