quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

A MULHER NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

 



Apenas uma mulher (1)

(Antes que eu volte a ser nada) (2)

Por: Marcos Inácio Fernandes*

“A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida.”

Oscar Wilde (1854 – 1900)

“A arte existe para que a realidade não nos destrua.”

 

“Sem a música, a vida seria um erro.”

Friedrich Nietzsche (1844 - 1900)

 

A arte da música é a que mais mexe com os sentimentos humanos. A combinação dessas 7 notinhas musicais, que produz sons, ritmos e vozes, que transcendem os idiomas, linguagens e fronteiras são mágicas. É a arte que mais nos aproxima da divindade.

Diz-se também, que a música “transforma toda a dor em melodia”. É disso que vamos tratar nesse texto, que pretende traçar um pequeno esboço, de como a mulher é retratada na música popular brasileira.

A música expressa, de forma poética e com rara beleza, todas as questões políticas, sociais, raciais e de gênero, os preconceitos e os costumes que predominam em determinadas épocas na sociedade.

As mulheres, particularmente, são fontes de inspiração permanentes para os compositores populares e também para os compositores de um verniz mais erudito. Tem muitas “musas inspiradoras” na MPB, mas, por outro lado, é forçoso e doloroso reconhecer que a violência contra a mulher brasileira, retratadas em muitas músicas é uma trágica realidade, que a beleza das melodias, não conseguem amenizar a crueza e a dureza dos versos que revelam essa violência.

A segunda coisa que é bom esclarecer de início é que o mundo dos compositores é, eminentemente, masculino. Até meados do século passado conhecemos apenas a Chiquinha Gonzaga (1847 – 1935). Outras mulheres compositoras só iriam despontar no pós guerra de 1945 e na contemporaneidade, em pleno século XXI, se contam nos dedos as mulheres que são compositoras.

O olhar masculino, com toda a carga que a cultura patriarcal e machista introjetou na sociedade é que iria filtrar e reproduzir as relações de poder e de gênero, que estão expressas nas composições, que passamos a elencar abaixo. Nessa primeira listagem, apenas uma compositora está contemplada. Trata-se da Leci Brandão (1944), que compôs um lindo samba, cuja letra, não foge a temática de inferioridade e de subordinação da mulher. O título é revelador: “Antes Que Eu Volte a Ser Nada”.

A mulher na música popular brasileira

MÚSICA / COMPOSITORES /ANO

TEMA RETRATADO

1 – “Se Essa Mulher Fosse Minha” (Autor desconhecido - Domínio Popular)

 

Violência física contra a mulher.

2 - “Amor de Malandro (Ismael Silva / Francisco Alves) – 1929

 

Violência física contra a mulher. Introduz uma extravagante filosofia: “só se bate em quem se quer bem”

3 - “Dinheiro Não Há” (Benedito Lacerda /Ernani Alvarenga) -1932  

 

Violência física

4 - “Marido da Orgia” (Ciro de Souza) – 1937

 

Pequena reação aos maltratos. A mulher consulta um advogado

5 - “Oh Seu Oscar” (Wilson Batista e / Ataulfo Alves) – 1940

A mulher abandona o lar porque queria viver na orgia (na versão do marido)

6 - “Vou Contar Tntim Por Tintim” (Cartola) –

 

Violência física e reação da mulher que diz que “vai ao Distrito” (Prestar queixa na polícia).

7 -  “Ai Que Saudade da Amélia” (Ataulfo Alves /Mário Lago) -1942

 

Retrata a submissão e resignação da mulher. “Amélia” passou a ser sinônimo de mulher submissa.

8 - Onde Está a Florisbela (Geraldo Pereira / Ary Monteiro) – 1944

 

Reação da mulher a traição masculina. Abandona o lar e se vinga tocando fogo no violão e os paletós do marido.

10 - “Mulher de Malandro” (Heitor dos Prazeres) -1950

 

Diz que a “mulher de malandro quanto mais apanha mas a ele tem amizade”

11 - “Mãe Solteira” (Wilson Batista / Jorge de Castro) – 1954

 

Relata o suicídio da porta-bandeira, Maria da Penha por conta do estigma social, que na época, condenava a “mãe solteira”

12 - A Mulher Que É Mulher (Armando Cavalcante / Klécius Caldas) – 1954

 

Relata a submissão da mulher ao homem, “faça ele o que quiser, não deixa o lar atoa”. “Se ele errar perdoa”

13 - “Mulher Que Não Dá Samba (Paulo Vanzoline) –

 

Mulher que dá samba é a subalterna. Pode até dá bronca mas atrás dela “deve vir na roupa limpa e o café quinte”

14 – “Na Subida Do Morro” (Moreira da Silva / Ribeiro Cunha) – 1959

 

Relata que “não se pode bater numa mulher que não é sua”. Depreende-se que na sua pode.

15 – “Notícia de Jornal” (Haroldo Barbosa / Luiz Reis)) -1961

 

Relata a tentativa de suicídio de Joana por desilusão amorosa. Diz que “a dor da gente não sai no jornal”

16 – “Jornal da Morte” (Miguel Gustavo) – 1961

 

Fala de suicídio de mulher, drogas e assassinatos.

17 - “Apaga o Fogo Mané (Adoniran Barbosa) –

 

A música relata que “Inez foi comprar um pavio pro lampião” e não voltou. Não relata os motivos porque ela fez isso.

18 - “Nega Luzia” (Wilson Batista/Jorge de Castro) -

 

Retrata uma mulher negra encrenqueira, que “queria botar fogo no morro.”

19 - “Comprimido” (Paulinho da Viola) -

 

Trata-se de uma mulher ciumenta que apanhou por conta disso. O homem se suicida no final.

20 - “Gol Anulado” (João Bosco / Aldir Blanc) - -1976

Violência física contra a mulher

21 - “Esse Cara” (Caetano Veloso) (1) - 1973

O lirismo da música de Caetano não encobre a submissão absoluta da mulher pois ele “é o homem e u sou apenas uma mulher”. Peguei emprestado para o título do artigo. (1)

22 - “Com Açúcar, Com Afeto” (Chico Buarque) -1967

 

Outra lírica que romantiza a relação de submissão e tolerância da mulher. Elas se miram no exemplo das mulheres de Atena (outra do Chico) e os companheiros nem precisam ser guerreiros.

23 - Conselhos de Vadio” (Candeia / Ernâni Alvarenga) -1975

Diálogo entre dois amigos sobre uma mulher da boemia, que é tratada pejorativamente na música. “Ela não quis ir para a cozinha e o amor morreu”

24 - “Minha Namorada” (Carlos Lyra /Vinicius de Moraes) - 1965

O lirismo da Bossa Nova não inovou quanto a submissão feminina. Exige da mulher fidelidade e abdicação total ao companheiro, que traça “o  caminho a seguir”

25 - Faz Parte do Meu Show” (Cazuza / Renato Ladeira) - 1988

Para fazer “parte do show masculino”, a mulher é “poupada” da verdade e tem seu sexo testado pelo professor, o “macho alfa”.

26 - “Faixa Amarela” (Zeca Pagodinho / Jessé Pai / Luiz Carlos) - 1997

O que pode ser um presente para a ”linda donzela” pode se transformar numa agressão violenta se a presenteada vacilar com dentes e costelas quebradas.

27 - Ronda (Paulo Vanzoline) -1953

 

Mulher enciumada promete se encontrar o parceiro “bebendo com outras mulheres, vai ter cena de sangue no bar da Av. São João.

28 - Antes Que Eu Volte a Ser Nada (Leci Brandão) (2) –

 

Uma linda melodia que retrata a falta de amor próprio da mulher que se humilha para reatar um relacionamento, mesmo que seja passageiro prá depois voltar “ a ser nada”. É o subtítulo desse artigo. (2)

 

 

 

 

2 comentários:

  1. Excelente crônica, ilustrada, que aborda um dos temas mais fascinantes da nossa música: a importância da composição feminina dentro de um universo, predominantemente, masculino.
    O fato da mulher compositora reproduzir, muitas vêzes, o velho padrão machista em sua própria composição, é das análises mais interessantes contidas no texto.
    Parabéns ao amigo e autor Marcos Inácio Fernandes.

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  2. Excelente Marquito. Uma síntese bem ilustrada e abordada de forma didática.
    Parabéns pela pesquisa!

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