RÉQUIEM POR MARCOS AFONSO
Por: Marcos Inácio
Fernandes*
“...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais / Saudade é o inferno dos que
perderam, / É a dor dos que ficaram para trás, / É o gosto de morte na boca dos
que continuam...”
Pablo Neruda (1904-1973)
“Se a morte fosse um bem, os deuses
não seriam imortais“.
Safo de Lesbos (630-612 a.C )
“A arte
de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um
pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois
perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o
relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi
duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo
perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.”
A Arte
de Perder - Elizabeth Bishop (1911-1979)
Perdi muita gente querida nesses
últimos 3 anos. Foram dezenas de pessoas da família, amigos, colegas de
trabalho e companheiros de partido. Embora a “arte de perder, não ser nada
sério, nem um mistério”, como assinala a poetisa, ainda não desenvolvi essa
arte e nem me acostumei com essas perdas definitivas. Elas sempre causam um
impacto doloroso!
Foi assim hoje de manhã, quando ouvi
a notícia no “Café com Notícia” do Washigton Aquino. Fiquei triste e sem
vontade de tomar meu café. Na verdade, tomei um susto, pois não sabia que o
xará (como nos tratávamos) estava doente. Então tratei de saber de mais
detalhes nos grupos de WhatsApp e, em muitos grupos, os amigos confirmavam a
notícia e expressavam suas condolências.
Nós, que continuamos um pouco mais
ainda, até a “indesejada” bater a nossa porta, vamos lembrar de você com muita
ternura xará. De minha parte me sinto um privilegiado de ter compartilhado
contigo de momentos de enfrentamentos, de lutas e de momentos prazerosos.
Lembro que estivemos juntos nos piquetes na garagem da empresa de ônibus Lameira
e na frente do Bradesco, nas greves dos anos 80. Lembro, que estivemos na mesma
trincheira, na memorável campanha eleitoral de 1990.
Lembro, que não quis acreditar,
quando me deram a notícia que você havia perdido a eleição para a Prefeitura de
Rio Branco, para o Mauri Sérgio, em 1986. Na época estava fazendo o Mestrado em
Natal. Essa foi a “Balsa” mais dolorosa que enfrentei, embora a mais traumática
tenha sido a de 2018. Na oportunidade escrevi até um artigo, que foi publicado
no Página 20 de 12/11/1996 – “CRÔNICA DE UM BALSISTA RETARDATÁRIO E SOLITÁRIO”.
Concluí o texto dedicando a você as palavras de Marshall Berman no prefácio do
seu livro: “Tudo Que É Sólido Se Desmancha no Ar”, escreveu:
“Manter essa vida exige talvez esforços desesperados e heroicos, e as vezes
perdemos. Ivan Karamazov diz que, acima
de tudo o mais, a morte de uma criança lhe dá ganas de devolver ao universo o
seu bilhete de entrada. Mas ele não o faz. Ele continua a lutar e a amar; ele
continua a continuar.”
Você continuou,
Marcos Afonso e, na eleição de 1998, você foi eleito com a maior votação, até
então, Deputado Federal pelo nosso partido.
E as lembranças
se sucedem. Recordo que estivemos numa reunião com José Dirceu, no auditório da
SEFAZ, onde ele fez uma análise do processo do Mensalão na qual você fez uma
intervenção brilhante, como sempre. Não esqueço da sua aula de Filosofia, na turma
de Ciências Sociais, que você fez a meu convite. Os alunos ficaram
maravilhados!!
Também não
esqueço, que quando a nossa presidente do partido, Gleise Hoffman, esteve no
Acre em 2017, o Governador Tião Viana, ofereceu a ela um almoço na Afra Bistrô
e pediu que você fizesse a saudação a convidada e todos ficamos encantados com
as suas palavras.
O
Marcos sempre foi um bom orador. Ele empolgava os nossos comícios com a sua eloquência.
Era um homem que lia e escrevia. Lia e relia. E segundo Voltaire, o homem que ler
e faz releituras torna-se muito perigoso. Nessa perspectiva, o Marcos era um
homem muito perigoso!
Na
última vez que estive com ele e Patrícia, na sua residência do Ipê, trocamos
algumas sugestões de leituras sobre o tema “felicidade” e fiquei de lhe
emprestar alguns livros abordando essa temática, mas não chegou a acontecer. Na
oportunidade pedi que ele escrevesse um pequeno texto para apresentação do meu
livro sobre o PT. Ele fez e está na contra-capa do livro: “Esta obra
reflete a dialogia de uma vitoriosa geração, que através de um partido, foi
mais além: construiu na Acre (no desafio permanente de convergir antagonismos)
um modelo de desenvolvimento global, totalizante e sustentabilista. A
trajetória desta geração, inovou o modus petista de governar no extremo
ocidental do Brasil. Para sempre estará no Psico- social dos povos da floresta.”
Gratidão,
Marcos Afonso. Suas voltas em torno do sol, se completou. Vá na luz!
Lembrando o mantra do comandante Ernesto
Guevara – o Che, que você costumava repetir: “HASTA LA VICTÓRIA, SIEMPRE!!
Ela
está perto de acontecer.
Rio
Branco (AC), 16 de setembro de 2022
*Marcos
Inácio Fernandes, é professor e militante do PT
- Memória Fotográfica -
Marcão, Eugênio, Gleise, Sibá e Marcos Afonso - 2017
Marcos Afonso Pontes de Souza (1962-2022)
Santinho da eleição de 1988
Marcos Afonso - Um garboso fidalgo!
Jorge, Marcos e Regina Lino - Eleição de 1992
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