sexta-feira, 16 de setembro de 2022

RÉQUIEM POR MARCOS AFONSO

 




RÉQUIEM POR MARCOS AFONSO

Por: Marcos Inácio Fernandes*

“... Saudade é sentir que existe o que não existe mais / Saudade é o inferno dos que perderam, / É a dor dos que ficaram para trás, / É o gosto de morte na boca dos que continuam...”  

 Pablo Neruda (1904-1973)

“Se a morte fosse um bem, os deuses não seriam imortais“.

 Safo de Lesbos (630-612 a.C )

“A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

 

Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

 

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

 

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

 

Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

 

Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.”

 A Arte de Perder - Elizabeth Bishop (1911-1979)

 Perdi muita gente querida nesses últimos 3 anos. Foram dezenas de pessoas da família, amigos, colegas de trabalho e companheiros de partido. Embora a “arte de perder, não ser nada sério, nem um mistério”, como assinala a poetisa, ainda não desenvolvi essa arte e nem me acostumei com essas perdas definitivas. Elas sempre causam um impacto doloroso!

 Foi assim hoje de manhã, quando ouvi a notícia no “Café com Notícia” do Washigton Aquino. Fiquei triste e sem vontade de tomar meu café. Na verdade, tomei um susto, pois não sabia que o xará (como nos tratávamos) estava doente. Então tratei de saber de mais detalhes nos grupos de WhatsApp e, em muitos grupos, os amigos confirmavam a notícia e expressavam suas condolências.

 Nós, que continuamos um pouco mais ainda, até a “indesejada” bater a nossa porta, vamos lembrar de você com muita ternura xará. De minha parte me sinto um privilegiado de ter compartilhado contigo de momentos de enfrentamentos, de lutas e de momentos prazerosos. Lembro que estivemos juntos nos piquetes na garagem da empresa de ônibus Lameira e na frente do Bradesco, nas greves dos anos 80. Lembro, que estivemos na mesma trincheira, na memorável campanha eleitoral de 1990.

 Lembro, que não quis acreditar, quando me deram a notícia que você havia perdido a eleição para a Prefeitura de Rio Branco, para o Mauri Sérgio, em 1986. Na época estava fazendo o Mestrado em Natal. Essa foi a “Balsa” mais dolorosa que enfrentei, embora a mais traumática tenha sido a de 2018. Na oportunidade escrevi até um artigo, que foi publicado no Página 20 de 12/11/1996 – “CRÔNICA DE UM BALSISTA RETARDATÁRIO E SOLITÁRIO”. Concluí o texto dedicando a você as palavras de Marshall Berman no prefácio do seu livro: Tudo Que É Sólido Se Desmancha no Ar”, escreveu: “Manter essa vida exige talvez esforços desesperados e heroicos, e as vezes perdemos. Ivan Karamazov diz que, acima de tudo o mais, a morte de uma criança lhe dá ganas de devolver ao universo o seu bilhete de entrada. Mas ele não o faz. Ele continua a lutar e a amar; ele continua a continuar.”

Você continuou, Marcos Afonso e, na eleição de 1998, você foi eleito com a maior votação, até então, Deputado Federal pelo nosso partido.

 E as lembranças se sucedem. Recordo que estivemos numa reunião com José Dirceu, no auditório da SEFAZ, onde ele fez uma análise do processo do Mensalão na qual você fez uma intervenção brilhante, como sempre. Não esqueço da sua aula de Filosofia, na turma de Ciências Sociais, que você fez a meu convite. Os alunos ficaram maravilhados!!

Também não esqueço, que quando a nossa presidente do partido, Gleise Hoffman, esteve no Acre em 2017, o Governador Tião Viana, ofereceu a ela um almoço na Afra Bistrô e pediu que você fizesse a saudação a convidada e todos ficamos encantados com as suas palavras.

 O Marcos sempre foi um bom orador. Ele empolgava os nossos comícios com a sua eloquência. Era um homem que lia e escrevia. Lia e relia. E segundo Voltaire, o homem que ler e faz releituras torna-se muito perigoso. Nessa perspectiva, o Marcos era um homem muito perigoso!

Na última vez que estive com ele e Patrícia, na sua residência do Ipê, trocamos algumas sugestões de leituras sobre o tema “felicidade” e fiquei de lhe emprestar alguns livros abordando essa temática, mas não chegou a acontecer. Na oportunidade pedi que ele escrevesse um pequeno texto para apresentação do meu livro sobre o PT. Ele fez e está na contra-capa do livro: “Esta obra reflete a dialogia de uma vitoriosa geração, que através de um partido, foi mais além: construiu na Acre (no desafio permanente de convergir antagonismos) um modelo de desenvolvimento global, totalizante e sustentabilista. A trajetória desta geração, inovou o modus petista de governar no extremo ocidental do Brasil. Para sempre estará no Psico- social dos povos da floresta.”

Gratidão, Marcos Afonso. Suas voltas em torno do sol, se completou. Vá na luz!

 Lembrando o mantra do comandante Ernesto Guevara – o Che, que você costumava repetir: “HASTA LA VICTÓRIA, SIEMPRE!!

Ela está perto de acontecer.

 

Rio Branco (AC), 16 de setembro de 2022

*Marcos Inácio Fernandes, é professor e militante do PT

-  Memória Fotográfica -



Marcão, Eugênio, Gleise, Sibá e Marcos Afonso - 2017


Marcos Afonso Pontes de Souza (1962-2022)



Santinho da eleição de 1988


Marcos Afonso - Um garboso fidalgo!




Jorge, Marcos e Regina Lino - Eleição de 1992 


Nenhum comentário:

Postar um comentário