sexta-feira, 17 de julho de 2015

MARTELO DA JUSTIÇA

*Marcos Inácio Fernandes

Nessa 2ª feira, Franklin Martins, lançou dois livros de uma trilogia sobre a música popular brasileira e sua relação com a política na história Republicana. São mais de 1.100 músicas que fazem a crônica e retratam os principais acontecimentos políticos do Brasil do período republicano. O nome da trilogia é: “Quem foi que inventou o Brasil?” Trata-se da história viva da República, escrita e cantada por milhões e milhões de brasileiros de várias gerações.
Sem maiores pretensões e sem a mesma densidade da obra do Franklin, quero também apresentar uma música que, a meu juízo, retrata com perfeição a conjuntura política que estamos vivenciando nesses tempos de “delações premiadas”. A música é: Martelo da Justiça de Luciana Rabêlo e Paulo César Pinheiro. Ela diz assim: “O ódio não faz ninguém sorrir / O medo não faz ninguém cantar / E quem é do bem precisa resistir / Se não o mal vai ficar queimando sobre a terra / A luta não faz ninguém sofrer / A lida não faz ninguém chorar / E quem é de luz não pode esmorecer / Na paz ou na guerra // O poder sempre traz cobiça / Na espada do Imperador / Ou no altar da missa / E a fraqueza então, por ouro e não por pão / Entrega o coração ao cão que atiça / Prá quem vende a alma / Nem de Deus vai ter perdão / Só mesmo o martelo da justiça.” Ainda não encontrei um CD com esse samba gravado. Apenas no YouTube com os rapazes do “Samba da Ouvidor”, do Rio de Janeiro.
Isso posto adianto minha 1ª consideração: a DELAÇÃO é uma excrescência!! E, sendo premiada, torna-se uma excrescência maior ainda. Na escala das degradações humanas, a delação só é superada pela TORTURA. E quando se usa a tortura para se obter delações, está formado o binômio da sordidez e da torpeza. Ademais, a DELAÇÃO sempre foi premiada. Desde Judas Iscariotes, com seus 30 dinheiros a Silvério dos Reis, o delator da Inconfidência Mineira, que Cecília Meireles retratou assim:“Melhor negócio que Judas / fazes tu, Joaquim Silvério: /que ele traiu Jesus Cristo, /tu trais um simples Alferes. /Recebeu trinta dinheiros.. /- e tu muitas coisas pedes: / pensão para toda a vida, / perdão para quanto deves, /comenda para o pescoço, /honras, glórias, privilégios. /E andas tão bem na cobrança / que quase tudo recebes! // Melhor negócio que Judas /fazes tu, Joaquim Silvério! / Pois ele encontra remorso, / coisa que não te acomete. / Ele topa uma figueira, / tu calmamente envelheces, / orgulhoso e impenitente, / com teus sombrios mistérios. / (Pelos caminhos do mundo, / nenhum destino se perde: / Há os grandes sonhos dos homens, / e a surda força dos vermes.” (Romance XXXIV ou de Joaquim Silvério – Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles)

E os vermes, estão corroendo o tecido social brasileiro. E o mais trágico: com a participação e cumplicidade da justiça em todas as suas instâncias. Nos meus 67 anos de existência nunca vi a destilação de tanto ódio, tanta intolerância, tanto preconceito e a exacerbação da luta de classes (é disso que se trata) nesse nível de tensão.
A 2ª consideração a fazer é que a LEALDADE é um valor ético/moral dos mais substantivos e, como tal, devia ser realçado e valorizado. Se até os bandidos a adotam como uma virtude nas suas relações marginais punindo os delatores, dedos duros, alcagüetes, X-9, de forma exemplar; seria mais um componente para realçar e, não desqualificar, a lealdade. Como diz Miguel do Rosário do blog Cafezinho “A “delação premiada” implica em perverter ainda mais um cidadão já corrompido: além de ladrão, assassino ou corrupto, ele também será um delator.”
A 3ª consideração é sobre a ignomínia da tortura, que volta a ser implantada no Brasil e patrocinada pela própria justiça, a luz do dia e não nos porões da ditadura, mas, no tribunal de Curitiba, que reedita a “República do Galeão”, que tentou derrubar Vargas. Ou será que não é tortura se prender por tempo indeterminado, ameaçar familiares (tortura psicológica), vazar informações seletivas dos processos, causar constrangimentos físicos e morais, atentar contra a privacidade das pessoas, estimular pré-julgamentos entre outros atentados ao Estado Democrático de Direito? Como esse empresários e burocratas de alto coturno não têm a mesma têmpera dos comunistas, que sofriam as maiores torturas, mas não abriam um ponto, preferiam morrer como aconteceu com muitos companheiros. Esses empresários e burocratas, não resistem ao cerceamento da liberdade e as condições carcerárias (comida de “quentinha” e celas comunitárias sem privacidade, sem água quente e com banheiro coletivo). Eles são presas fáceis para o processo aviltante da delação. Não precisa nem, pau-de-arara, cadeira do dragão, choque elétrico, ou uns simples “telefones”. Basta ameaçar com penas mais severas nas cadeias do Brasil, que não são nenhum Ressort, e premiar a delação, desde que, apontem os desafetos políticos.
Isso é, para dizer o mínimo, a lei do menor esforço de uma investigação. Se basear em delações premiadas de corruptos e bandidos, que são vazadas e depois amplificadas pela mídia como uma verdade evangélica.
Como disse o Tom Jobim, o Brasil não é mesmo para principiantes. E a nossa Justiça (que ainda está sem Ministro), inova e extrapola das suas prerrogativas. Temos Juízes no Supremo, que tem jagunços (segundo Joaquim Barbosa), que são comparados a material escatológico (segundo Saulo Ramos), outro que “mata no peito” e joga um bolão no time conservador do STF, outro que fala aos borbotões nos autos e nos “baixos” e por aí… Da Suprema Corte vem o (mau) exemplo. Condena-se com base na “literatura jurídica” e não nas provas (que são apenas uma quimera); adota-se a teoria do “Domínio do Fato”, sonega-se informações a defesa de réus, pede-se vistas para protelar decisões, cria-se uma dosimetria para inflar penas, entre outras inovações. E com a aprovação casuística da PEC da Bengala, vamos ter que aturar esses Ministros, quase até o fim da vida. Praticamente, eles se tornaram vitalícios. É a casta de toga.

Entretanto, ainda há Juízes em Berlim, em Brasília e no Brasil. Ainda há Magistrados que honram a toga e são garantistas. Torço para que, pelo menos, no médio prazo, eles se tornem maioria no aparato do Judiciário brasileiro. Enquanto isso, não podemos esmorecer, como diz a música. E vamos cantar: “…Prá quem vende a alma / Nem de Deus vai ter perdão / Só mesmo o Martelo da Justiça”
*Marcos Inácio Fernandes é professor aposentado e militante do PT

Um comentário:

  1. O disco é Candeia Branca de Luciana Rabello e Paulo César Pinheiro, tenho esse disco, maravilhoso!

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