Não é de agora, nesse recente caso da pandemia, que os militares atentam contra a ciência e a saúde pública. Desde a implantação do Regime Militar de 1964, que eles cometem crimes. Confiram o que eles fizeram contra esses cientistas da Fiocruz. (MIF)
PÁGINA INFELIZ DA NOSSA HISTÓRIA
Os dez cientistas da Fiocruz cassados e perseguidos pela
ditadura militar no Massacre de Manguinhos: da esquerda para a direita, Augusto
Cid Mello Perissé, Tito Arcoverde Cavalcanti de Albuquerque, Haity Moussatché,
Fernando Braga Ubatuba, Moacyr Vaz de Andrade, Hugo de Souza Lopes, Massao
Goto, Herman Lent, Sebastião José de Oliveira e Domingos Arthur Machado Filho.
O Massacre de Manguinhos foi um dos mais infames episódios de
perseguição política contra cientistas ocorridos durante a ditadura. O episódio
ocorreu no contexto de recrudescimento do autoritarismo e da repressão que
caracterizou os "anos de chumbo", logo após a emissão dos Atos
Institucionais nº. 5 (AI-5) e nº. 10 (AI-10), quando a perseguição política se
tornou generalizada, extrapolando o âmbito da oposição de movimentos
organizados e passando a atingir cidadãos comuns que fossem meramente suspeitos
de não compactuar com as ideias do regime.
Manguinhos é o nome do bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro
onde se localiza a sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - à época denominada
"Instituto Oswaldo Cruz" (ou IOC). No dia 1º de abril de 1970, os dez
cientistas supracitados, todos ativos na Fiocruz há mais de duas ou três
décadas, tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos por determinação
do regime militar. Dois dias depois, a ditadura emitiu novo decreto
determinando a aposentadoria compulsória dos cientistas. Outra norma do governo
proibia o grupo de prestar serviços ou trabalhar para qualquer repartição
pública ou qualquer empresa subvencionada com dinheiro do erário. Com isso, a
Fiocruz perdeu 14% do seu quadro de pesquisadores e foi obrigada a encerrar
diversas linhas de pesquisa inovadoras sobre novos medicamentos e tratamentos
para doenças infecciosas e surtos epidêmicos.
O grupo dos dez cientistas, todos ligados à área de medicina
experimental e combate a doenças tropicais, era monitorado pelos militares
desde a década de 1940. Isso porque em 1946, os cientistas subscreveram um
documento de apoio às demandas do senador Luís Carlos Prestes, do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), que exigia a retirada das tropas estadunidenses do
Nordeste brasileiro e o encerramento da base militar dos Estados Unidos,
montada em Natal durante a Segunda Guerra Mundial.
Nas décadas seguintes, esse mesmo grupo de cientistas passou
a defender o desenvolvimento autônomo da pesquisa científica no Brasil. Após o golpe
de 1964 e a instalação do regime militar, os cientistas criticaram a submissão
das instituições públicas aos interesses políticos e econômicos dos Estados
Unidos e ao projeto ideológico anticomunista. A gota d'água ocorreu quando
alguns cientistas do grupo denunciaram um desvio de verba que deveria ser
destinada ao combate da malária, da peste bubônica e da meningite.
A perseguição ao grupo contou com apoio do próprio
diretor-interventor da Fiocruz, Francisco de Paula Rocha Lagoa, indicado para o
cargo pelo marechal Castelo Branco. Rocha Lagoa, que futuramente assumiria o
cargo de Ministro da Saúde no governo Médici, era profundamente reacionário e
anticomunista e tratou de isolar, perseguir e boicotar os trabalhos realizados
pelos cientistas em pauta desde que assumira o comando da instituição. Entre
seus primeiros atos estava o fim do financiamento para as pesquisas do grupo,
ocasionando a inviabilização dos trabalhos.
Logo após o desligamento dos profissionais, Rocha Lagoa abriu
inquéritos policiais nas áreas civil, militar e administrativa contra os dez
cientistas, acusando-os de conspiração contra a administração pública e
desenvolvimento interno de uma célula comunista. As acusações beiravam o
ridículo e chegavam a incluir questionamentos sobre "promoção de feijoadas
e vatapás subversivos nas dependências da instituição". Apesar disso, um
dos pesquisadores, Fernando Ubatuba, chegou a ficar preso por 14 dias num paiol
de pólvora do Exército Brasileiro em Paracambi. Nenhum dos inquéritos conseguiu
provar nada contra os pesquisadores.
Não satisfeito com a perseguição ao grupo, o governo federal
mirou no desmonte e sucateamento da própria Fiocruz, diminuindo de forma
agressiva o orçamento da instituição, forçando-a a diminuir sua produção de
insumos, soros e vacinas, a encerrar linhas de pesquisa e a fechar parte
substancial de seus laboratórios. A ditadura ordenou o encerramento do
Instituto Nacional de Produção de Medicamentos e fundiu a Fiocruz a diversas
outras instituições, intencionando fragilizar sua capacidade de articulação
política e dificultar quaisquer projetos de autonomia gerencial. As ações do
regime prejudicaram as campanhas nacionais de vacinação, a fabricação de
medicamentos e o combate aos surtos epidêmicos por vários anos, além de desarticular
e descontinuar décadas de pesquisa em saúde pública, causando enormes
retrocessos à ciência brasileira.
Somente em 1986, cinco anos após a sanção da Lei da Anistia e
já no período da redemocratização, os dez cientistas foram reintegrados à Fiocruz.
Apenas o parasitologista Herman Lent não aceitou retornar para a instituição,
preferindo continuar dando aulas na Universidade Santa Úrsula, onde conseguira
emprego em 1976.
A cerimônia de reintegração ocorreu em 15 de agosto de 1986,
com presença do ator Mário Lago, então presidente da Comissão Nacional de
Anistia, do deputado Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados, e
do antropólogo Darcy Ribeiro, vice-governador do Rio de Janeiro. Em seu
discurso, Darcy Ribeiro pontuou: "A dor que me dói, a lágrima que eu
choro, é pelas pesquisas que foram interrompidas e nunca mais se farão. É pelos
jovens cientistas que teríamos formado e que não se formarão nunca. A Ciência é
a última profissão que não se aprende nos livros. É um cientista que cria outro.
E vocês, os mais preparados para frutificar novas gerações, foram proibidos de
se multiplicar."
Nenhum comentário:
Postar um comentário