sexta-feira, 8 de maio de 2020

ESSE AÍ, PROMETE!




Eri Galvão e Aldir Blanc (1946-2020)




Paulo Emílio (1945-1990)














Esse Aí, Promete!
Por: Marcos Inácio Fernandes
“Quando ele nasceu/Foi no sufoco/Tinha uma vaca, um burro e um louco/Que recebeu seu sete.
Quando ele nasceu/Foi de teimoso/Com a manha e a baba do tinhoso/Chovia canivete.
Quando ele nasceu /Nasceu de birra/ Barro ao invés de incenso e mirra/Cordão cortado com gilete.
Quando ele nasceu/Sacaram o berro/Meteram a faca/Ergueram ferro/Aí Exu falou:/Ninguém se mete!
Quando ele nasceu/Tomaram cana/Um partideiro puxou samba/Aí Oxum falou: esse aí promete!”
(Gênesis – João Bosco e Aldir Blanc)
Quando Aldir Blanc escreveu esses versos que João Bosco musicou, parece que estava falando dele próprio. Oxum profetizou a sua trajetória promissora que expressou, maravilhosamente, a alma brasileira através da música e da poesia com seus inúmeros parceiros.
Aldir encantou-se nesse 4 de maio de 2020. Ele deixa um legado de mais de 500 composições, algumas das quais, devem ser incluídas em qualquer antologia que se faça dos “hinos” da Música Popular Brasileira, que o povo canta, de cor e salteado, nas ruas. Era o “poeta da vida do amor e da cidade... “o ourives do palavreado” como bem definiu Dorival Caymmi. Foi um cronista da sua cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro, e do Brasil.
Entre as suas poesias musicais tem duas que me embevecem de forma particular. São duas “trilhas sonoras” do meu coração pois elas me remetem a duas passagens que foram marcantes na minha vida. A primeira música é “Bala com bala” da sua parceria com João Bosco, que a Elis Regina gravou. Informe-se que, a Elis foi quem mais gravou as músicas da dupla João Bosco/Aldir Blanc. A dupla só foi superada pelo Tom Jobim, outro gênio da raça.
Pois bem essa música me lembra o ano que passei em Brasília, na Vila Buritis em Planaltina. Era 1972 e morava com meu irmão de criação Ailton e sua esposa Penha e seu filho pequeno Ricardo, que eu iria ser seu padrinho. O Ricardo gostava muito dessa música e pedia prá Penha cantar e quando ela dizia que não sabia, o Ricardo retrucava: a Elis Regina não canta!? E Penha ria e eu mais ainda, só de em imaginar Penha, que nunca cantou nem em coro de igreja, sendo comparada a grande Elis. Não batizei o Ricardo.  Ele teve uma meningite e veio a óbito em 05/06 /1975, com 7 anos incompletos. Faleceu no mesmo dia que minha mãe fazia aniversário. A última vez que vi o Ricardo em vida foi em 1974. Estava no Rio fazendo um curso e, num feriado prolongado, dei um pulo em Brasília para visitar meu irmão e lembro de ter tirado uma foto com ele,(que não acho agora). Toda vez que escuto Bala com bala, me vem essas lembranças alegres e tristes.
A outra música que me toca o coração é a “Valsa do Maracanã”, que Aldir fez com o Paulo Emílio. Ouvi essa música pela primeira vês na vóz do próprio Paulo Emílio, já bem chumbado, no Bar do João na Tijuca no Rio de Janeiro, em novembro de 1987. Eri Galvão, tocava nesse bar e foi com ele, que conheci muitas músicas do repertório do Aldir com João Bosco e outros parceiros.
Em 1987, juntamente com Cacá, Monteiro, Cesário (pai do Cesarinho, presidente do nosso partido) e outros colegas e amigos da EMATER, fomos demitidos, por perseguição política, no governo Flaviano Melo.  Mesmo demitidos fomos participar do 1º Congresso das Associações dos Servidores de Ater – CONFASER, em Curitiba no Paraná, ocorrido em final de outubro. Nesse evento, os companheiros do Brasil da Extensão Rural, me distinguiram com a presidência do Congresso e após seu encerramento, uma parte da nossa delegação voltou prá Rio Branco e outra parte, ( eu, Monteiro, Cacá, Maria de Toinho, Graça Melo) e outros que não me recordo, deram uma esticadinha no Rio e ficamos no Ap. do pai de Monteiro.
Ficou bem nítida na minha lembrança essa “esbórnia” que fizemos na noite carioca com a participação do Paulo Emílio, que viria falecer, precocemente, em 1990. Paulo foi juntamente com Aldir Blanc, Gonzaguinha, Márcio Proença (que também conheci em outra passagem pelo Rio e que também já subiu), Ivan Lins, Lucinha Lins, César Costa Filho e, tantos outros, fizeram parte do Movimento Artístico Universitário – MAU, nos 70. Entre as composições do Paulo Emílio com Aldir e João Bosco que ficaram antológicas foi “Linha de Passe” e “Nação”, que a Clara Nunes imortalizou.
Saudações cruzmaltinas Aldir Blanc. Você partiu como nasceu, “num sufoco”, não teve nem gurufim por conta da pandemia. Que os Orixás, com Oxum a frente, faça as honras prá lhe receber na roda de partideiros que deve acontecer aí por cima com sua chegada.
Eu vou “tomar a penúltima” e ficando por aqui me equilibrando na esperança.
Rio Branco (AC),08 de maio (75º aniversário da queda do nazismo, em Berlim, pelo Exército Vermelho), de 2020.
Marcos Inácio Fernandes, é professor aposentado e Secretário de Formação do PT/DM de Rio Branco.
PS – As letras das trilhas sonoras do meu coração.
Bala com Bala (João Bosco / Aldir Blanc)

A sala cala e o jornal prepara quem está na sala
Com pipoca e com bala e o urubu sai voando, manso
O tempo corre e o suor escorre, vem alguém de porre
Há um corre-corre, e o mocinho chegando, dando.
Eu esqueço sempre nesta hora (linda, loura)
Minha velha fuga em todo impasse;
Eu esqueço sempre nesta hora (linda loura)
Quanto me custa dar a outra face.
O tapa estala no balacobaco e é bala com bala
E fala com fala e o galã se espalhando, dando.
No rala-rala quando acaba a bala é faca com faca
É rapa com rapa e eu me realizando, bambo.
Quando a luz acende é uma tristeza (trapo, presa),
Minha coragem muda em cansaço.
Toda fita em série que se preza (dizem, reza)
Acaba sempre no melhor pedaço.

“Valsa do Maracanã” (Paulo Emílio / Aldir Blanc)


Quando eu ficar assim
morrendo após o porre
Maracanã, meu rio,
ai corre e me socorre
Injeta em minhas veias
teu soro poluído
de pilha e folha morta,
de aborto criminoso
de caco de garrafa
de prego enferrujado
dos versos do poeta
pneu de bicicleta
Ai, rio do meu Rio,
Ai, lixo da cidade
de lâmpada queimada
de carretel de linha
chapinha premiada
e lata de sardinha
o castigo e o perdão
o modess e a camisinha
o castigo e o perdão
o modess e a camisinha
Ai, só dói quando eu rio,
Maracanã, meu rio
Maracanã, meu rio
Ai, só dói quando eu rio.”


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